Éramos um

210 35 7
                                    

Você já foi casado ou casada? Eu já.

Com a Dorinha.

Minha melhor amiga.

Ah, Dorinha, Dorinha...

Ficamos vinte anos juntos.

Tem hora que bate uma solidão, sabe?

Aí baixei um desses aplicativos, mas não aparece nada do meu gosto. Ou vai ver, que, depois dela, perdi foi o gosto mesmo.

Na minha idade também, não é? Fica difícil.

Achei que eu e ela morreríamos velhinhos.

Assim, juntinhos na cama debaixo do cobertor.

Já sentiu esse amor? Uma explosão quente no peito? Uma calma, tipo abraço quando mata a saudade?

Era assim com a minha Dorinha.

Fico aqui com esse celular na mão...

Tem dias que baixei o aplicativo, mas até agora só apertei o não.

Essa não. Aquela não. A outra não. Não. Também não. Não quero.

Tem hora que penso que o mais quero é querer.

Mais uma, não.

Vou desistir. Melhor sair desse aplicativo.

"Match!"

Match? Como assim?

Ih merda, apertei errado!

Mas espera, homem?

Como? Se na configuração de busca selecionei mulheres?

"Oi Gustavo, tudo bem?"

Ih, caramba. Mensagem do cara.

"Oi"

E agora? Não sei como dizer que não sou gay sem parecer preconceituoso. Nada contra, só não curto.

"Tudo bem e com você?"

Respondo e sinto a mão úmida de suor. Preciso achar uma brecha na conversa pra dizer que foi um engano, só isso.

"Tudo. Li na sua descrição que você é fã de Casablanca, é meu filme favorito também."

"Sério? Que legal, não conheço mais ninguém que goste de filmes antigos."

Só a Dorinha...

"Eu sou das antigas, e aquela cena do Rick..."

Ele menciona uma das minhas cenas favoritas. Passado um tempo, confiro o relógio e vejo que estou de papo com o Roberto há três horas. Caraca, que coisa estranha.

Marcamos uma sinuca pro dia seguinte.

Não custa nada, e o cara é muito gente fina.
É só chegar lá, jogar uma sinuca com ele, e dizer que sou viúvo, que era casado com uma mulher...

Afinal, uma amizade a mais não pode fazer mal a ninguém, não é mesmo?

Sabe quando você sente uma conexão imediata com a pessoa? Eu sei, deve estar imaginando que enlouqueci, ou pensando que eu não deveria ir.

Mas algo me diz que preciso conhecer o Roberto.

Chega a hora marcada de nos encontrarmos e estou bem nervoso, confesso.

Enxugo as mãos na blusa social e entro no bar. Nem sei porque vim de blusa social. Nem o motivo de ter passado perfume pra jogar sinuca com um desconhecido.

Vim cheio de certeza e agora já não sei mais o que estou fazendo aqui. Muito menos porque estou nervoso, como se isso fosse um encontro.

Reconheço Roberto de longe, ele acena pra mim.

Parece simpático. Usa óculos e tem uma barriga que parece ter sido cultivada por anos de cerveja e churrasco. Igual a minha.

Mas por que tô pensando nisso?

Que estranho.

Nos cumprimentamos no bar com um abraço e o acompanho num copo de uísque. Ignoro a sensação de conforto que sinto ao lado dele.

Isso é um encontro. A frase se repete na minha cabeça, como se eu tentasse me convencer de que isso é errado.

Começo a buscar brechas para explicar como dei like nele no aplicativo, mas em vez disso, acabo rindo das suas piadas. Ele tem um humor incrível.

E pra ser sincero, não quero ir embora. Gostei do Roberto.

De repente, me flagro esvaziando o quarto ou quinto copo de uísque. Perco as contas.

Matamos todas as bolas pela segunda vez e ele me convida para beber na casa dele, uma garrafa de rum, trazida na última viagem.

Não sei a razão que me faz ir, apenas aceito.

Na casa dele, Roberto simplesmente faz com que eu me desprenda, me permita. Não sei explicar. Não é racional, é emocional, físico.

Acordo na manhã seguinte, braços me envolvem por trás, meu corpo em estado quase febril, um aroma masculino no travesseiro.

A ressaca chega de uma vez só. Moral e física. Levanto apressado e caio sentado ao não conseguir vestir minhas calças. Roberto se espreguiça tranquilo.

"Calma, Gustavo." Ele tenta me acalmar.

"Como, calma? Calma? Nunca fiz isso antes! Não sei que merda é essa! Não sei o que está acontecendo!"

"Eu sei que foi sua primeira vez, deu pra perceber que você era um bi de primeira viagem quando te vi na sinuca."

"Bi, eu?"

"Respira fundo." Ele levanta da cama e apoia a mão em meus ombros, depois sorri. "Não tem nada de errado com você." Encaro os vincos de seu rosto e sua barba malfeita e suspiro. Ele é quase como uma alma familiar, um reconhecimento inexplicável que meu inconsciente percebe.

Depois de cinco anos sozinho, sem Dorinha, jamais imaginei sentir qualquer coisa real por outro alguém, muito menos por um homem.

Volto pra casa e digo a Roberto que preciso de um tempo para assimilar as ideias. É informação demais.

Busco na estante o álbum de fotos de nosso casamento. Vejo o olhar apaixonado de Dorinha, vejo a intensidade de nosso amor nas páginas plastificadas.

Fico dias ignorando as mensagens de Roberto. Ele continua sendo gente fina. Pergunta se estou bem, se coloca à disposição para conversar comigo, diz que podemos ser apenas amigos...

Um dia qualquer volto do trabalho, observo a poltrona vazia, a mesa de jantar com uma cadeira de sobra e um monte de fotos de um tempo que não voltará mais.

Enfim, percebo que Roberto não é a escolha que eu faria, por conta dos tabus da sociedade, dos preconceitos embutidos na minha cabeça desde pequeno.

Mas e a minha felicidade, onde eu coloco?

Sou praticamente capaz de ouvir a voz de Dorinha, ela me aconselha a aceitar as boas ofertas da vida.

Na mesma hora convido Roberto para jantar.

Talvez eu ainda seja capaz de amar, sim, talvez eu seja incapaz, apenas, de amar outra mulher.

Por Carine Raposo

História baseada em fatos reais

E encontramos o amor!
Porque ele não tem formato, nem idade, sexo ou hora certa, ele simplesmente acontece.

_____________________________________________________________________________

O que acharam, amores?? =)

Segunda tem mais!
Não esqueçam de participar do sorteio! Expliquei as regras num post anterior!

Beijosss e bom final de semana!

Amor via WifiOnde histórias criam vida. Descubra agora