hora de sair

256 9 2
                                    


era uma loucura voltar ao brasil depois de quase sete meses fora e com tudo que aconteceu... eu amava estar em casa, mesmo não tendo mais uma casa.

meu coração ainda estava acelerado como no dia em que retornei ao país; o que já fazia uma semana.

as lembranças nunca me abandonaram, mas o fato de estar novamente aqui fez com que fervilhassem ainda mais na minha cabeça, as boas e ruins, tudo era como um oceano de emoções dentro do meu peito e eu me sentia nostalgica como nunca havia me sentido antes!

tanto é que durante todos esses dias eu não conseguia sair da pousada e encarar de fato as coisas lá fora, as novas coisas...

[as antigas também.]

mas naquele dia eu faria diferente, afinal uma hora ou outra eu teria que sair, não é mesmo?! sentia que algo esperava por mim fora dali e mesmo não sabendo ao certo o quê (ou quem) e muito menos como, tomei um banho, coloquei uma roupa simples, típica para um dia praiano e saí.

era uma manhã quase recém nascida de um sábado, mas o sol já brilhava intensamente. como um grande sinal de que seria um bom recomeço, como um holofote enorme voltado para mim, quase que me obrigando a tomar postura de protagonista da minha história; coisa que há algum tempo eu vinha evitando/adiando.

não muito distante da pousada havia um ponto para alugar bicicletas, daquelas que se vêem várias iguais por toda cidade. eram mesmo todas idênticas, mas ainda assim fiz questão de "escolher" a minha. pensei que precisava muito comprar uma o quanto antes, facilitaria muito a locomoção e ao meu ver isso seria possível em breve, tudo se estabilizaria... mas sem muita pressa, tudo estava se ajeitando aos poucos.

em nova york só me permiti andar de metrô e táxi, então meu corpo estava meio enferrujado para atividades físicas, mas logo retomei o jeito e comecei a pedalar com mais agilidade.
a sensação gostosa daquele ventinho no rosto de novo, ameno, me fez rir comigo mesma, a brisa vinda do mar logo ali próximo fazia minha pele arrepiar levemente... olhei para o céu e as nunvens iam abrindo vista lentamente para um azul limpo se mostrar, como pequenas cortinas abrem para um bom espetáculo.

cheguei próximo a antiga cafeteria que ficava antes da feirinha e torci pra que ainda funcionasse e vendessem o mesmo bom e velho cafézinho preto (com pão de queijo) de sempre e que eu havia desejado a semana toda...

ainda do outro lado da rua pude ver, através da janela da frente, que o local se mostrava vivo e amistoso, um ar ao mesmo tempo que familiar, também renovado e diferente. a faixada estava recém pintada, flores na lateral davam um aspecto romântico, bem propício para casais sentarem na nova área do lado de fora com vista pra praia toda.

depois de deixar a bicicleta em segurança e atravessar, parei da entrada do café e antes de subir os pequenos degraus, pude sentir o cheirinho de café adetrando minhas narinas devido um casal que saía naquele momento, e conforme eu subia o aroma preenchia meus pulmões e como era bom, pensei.

"como é bom estar de volta!"

entrei, fazendo o pequeno sino da porta soar e o dono, sr. francis, que limpava uma mesinha próximo a entrada, me recebeu com um olhar amigável... parecia me reconhecer e estar muito feliz em me ver, ou talvez só recebesse todo mundo assim... de qualquer forma, me senti muito bem vinda! o respondi com um sorriso tímido e fui sentar em um dos bancos altos, em frente ao balcão principal; era divertido ficar ali com as pernas balançando no ar devido minha (pouca) altura...

uma das garçonetes, aparentemente desocupada, veio em minha direção e perguntou o que eu desejava. tendo em mente o que queria não demorei a dizer e ela foi ágil em anotar também, só que logo em seguida me encarou por cima do bloco em suas mãos, talvez quisesse perguntar ou dizer mais alguma coisa, a encarei de volta ainda em silêncio, seu olhar era marcante. alguns segundos depois ela sorriu de canto, entendo que só queria aquilo mesmo, então se retirou indo buscar meu pedido.

nos poucos minutos (acredito eu) que demorou pra ela voltar com meu café, me distraí olhando o letreiro que indicava as opções do menu e seus respectivos preços, pouco depois a garçonete retornou com uma bandeija contendo um café, um pão de queijo grande, talheres e uma fatia de bolo. ela depositou com cuidado todos os intens na minha frente e eu observava seus movimentos.

quando ela depositou o bolo eu disse que não queria, ela por sua vez insistiu:

- é por conta da casa, você vai gostar!

encarei o pedaço de bolo e realmente era muito convidativo (chocolate com cobertura de brigadeiro), mas não se confia em ninguém assim logo de cara, então peguei o pão de queijo e mordi. a garçonete se retirou indo atender alguém na mesa perto da porta.

tomei um gole daquele líquido abençoado, que me fez esquecer a desconfiança na garota que me atendeu. o mesmo gostinho de sempre e o pão de queijo quentinho como de costume... me senti com nove anos de idade novamente, tudo aquilo tinha sabor e cheiro de infância.

continuei comendo enquanto olhava pela nova janela grande de vidro na lateral, tinha o aspecto mais romântico ainda olhando de dentro. as flores, (margaridas eu acho), balançavam suavemente conforme o vento, mesmo que estivesse diferente ainda era muito aconchegante.

terminando o café percebi novamente o bolo a minha frente... procurei pela garçonete disfarçadamente, mas não a avistei. peguei o garfo e tirei um pedacinho da fatia, um pouco receosa, e coloquei na boca...

"MEU DEUS DO CÉU QUE BOLO É ESSE???"

com o café então... ficava mais perfeito. pensei que talvez seria o fim dos "café e pão de queijo, por favor!".

[quem sabe]

não vi mais a garconete então não tive como agradecer, depois que terminei e paguei a conta, sentia um calor no corpo; metafórica e literalmente falando.

"um banho no mar? sim, bem rápido."

o rio de janeiro continuava simplesmente encantador e eu estava de volta no momento certo: fazia um calor instigante de dia e um frio acolhedor de noite.

deixei a bicicleta no mesmo lugar que estava, atravessei a rua e logo cheguei até a praia. tirei as sandálias para sentir a areia e então corri, meio com vergonha, até meus pés tocarem a água quentinha na margem.

como trajava roupas pequenas, um shorts jeans desfiado e um cropped preto, decidi entrar assim mesmo e o fiz. apesar de quase perder a parte de cima em uma pequena onda, tinha sido divertido então eu ri sozinha, sem ligar se alguém talvez estivesse me olhando. foi quando me dei conta que havia esquecido minha certeira e agenda no café...

"admiro a mulher distraída que sou."

céu e mar (romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora