mi casa, su casa

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montei na bicicleta e esperei sofi subir na parte traseira, mas dessa vez ela sentou-se na cela, ficando de costas pra mim. senti o cheiro levemente adocicado de seu cabelo e suas mãos ainda frias da água perto das minhas, segurando o guidão. suas pernas penduradas pro lado direito faziam eu ter que me esforçar um pouco mais pra manter nosso equilíbrio, já que ela era mais um pouco mais alta que eu.

seguia os comandos de qual direção tomar aos poucos, guiando um tanto quanto devagar... estava com certo frio na barriga, em parte porque conforme eu pedalava, minhas pernas encostavam no corpo a minha frente, nas pernas e cintura dela, e em parte porque o trajeto indicado era bem parecido com o que levava para minha antiga casa.

fomos nos aproximando do local e o frio só aumentava, dentro e fora de mim, ainda não era noite, mas devido o tempo fechado escurecia depressa. sofi deslizou um pouco para trás, ficando quase colada no meu corpo, minha respiração ofegante quase parou por completo quando ela apontou a casa que devíamos parar.

- é aquela azul ali...

"minha antiga casa."

paramos em frente o portão branco e o ar ficou pesado, um súbito calor esquentou meu rosto por dentro, achei que iria chorar ali mesmo. mas quando a garota a minha frente virou me olhando, ainda sentada na bicicleta, engoli em seco. meus olhos marejaram por conta das lembranças, não tinha como controlar.


- tudo bem, jane? -


sofi levantou-se apressada, saindo da bicicleta e voltando toda sua atenção para o meu rosto. apertei os olhos na intenção de fazê-los pararem de arder, logo em seguida senti mãos quentes e delicadas tocarem minhas bochechas; erguendo meu queixo, com os polegares, cuidadosamente.


- fala comigo... você tá bem?! - perguntou num tom calmo, porém preocupado.

- e-eu tô bem... - falei ainda de olhos fechados.

- você não parece nada bem, o que aconteceu? - insistiu, fixando as mãos no meu maxilar, com as pontas dos dedos atrás das minhas orelhas.


abri os olhos, encarei os dela por alguns instantes tentando dizer alguma coisa, quase desequilibrando do acento; uma das mãos de sofi segurou meu braço.


- vem, levanta! eu te ajudo... - percebi que estava meio fraca, mas logo fiquei em pé e ela me levou pra dentro da casa, me oferecendo uma água com açúcar.

...

- senta aqui, já venho.


olhei os móveis da sala, as paredes, as janelas... me imaginei ali, pouco mais de um ano atrás, vivendo minha vida "normalmente"... mirei o corredor e avistei a porta do meu antigo quarto.

"como será que está agora?"

- aqui... - sofi voltou da cozinha com um copo d'água na mão e me entregou. - toma devagar e depois me diz o que houve, você me assustou! - disse ela sorrindo mais aliviada, vendo que eu já estava melhor.

- é que essa casa... - hesitei por um momento. - era minha antiga casa... - falei mais pra mim mesma do que pra ela, era como estar de volta no passado.

- MEU DEUS... - sofi se exaltou surpresa. - sério isso? - eu ri involuntariamente da sua reação. - ai, é claro que é sério! ou você não teria ficado daquele jeito...

- tá tudo bem... eu só não esperava voltar aqui assim, dessa forma, entende? mas até que não é ruim... - olhei em volta mais uma vez, sorrindo. - é bom saber que ficou em boas mãos.


e realmente, a casa estava limpa e em ótimo estado. pintura nova e tinha um ar mais tranquilo do que eu costumava lembrar.


- você que fez aqueles desenhos!? - perguntou a nova moradora, me tirando de minhas memórias.

- quê?

- os desenhos, na parede do seu quarto.

- seu quarto, agora. - corrigi.

- isso, meu quarto. você que fez?

- foi sim... você ainda tem eles?

- estão no mesmo lugar que você deixou! eu gostei tanto deles, que não consegui tirar... quer ir lá olhar?

- seria ótimo. - ri, de nervoso mesmo.


"isso tá mesmo acontecendo?"


eu a deixei que me guiasse pelo corredor. como se eu não tivesse vivido minha vida toda passando por ali, correndo, saltitando, brincando, chorando, ouvindo sermões, etc.

parando na porta do quarto, ela perguntou:


- tudo bem mesmo?

- eu acho que sim...


então ela destrancou o fecho abrindo a porta e ligou a luz do cômodo. o papel de parede ainda era o mesmo: um rosa pastel bem conservado, me veio a lembrança da cor que ficava no quarto quando os raios de sol entravam pela janela. os desenhos exatamente onde eu havia colado na última vez que decidi mudar a decoração do ambiente. tirando isso, o resto estava totalmente diferente: a cama tinha pisca-piscas pendurados na cabeceira e agora ficava escorada no meio da parede, com a janela por trás e de frente para a porta. tinha um guarda-roupa branco de duas portas numa ponta, e uma cômoda com espelho do outro lado, um tapete consideravelmente grande de cor bege, que provavelmente era onde ela treinava sua dança. e mais duas prateleiras sobrepostas cheias de livros, fotos e algumas miniaturas de bailarinas decoravam o espaço.

durante esse tempo pensei estar sozinha com sofi, mas logo ouvimos a mãe dela chamar.

- sofi! tá tudo bem? de quem é aquela bicicleta jogada na nossa grama?

corei.

- relaxa... - sofi sussurrou olhando pra mim. - mãe... essa é a jane, ela é a antiga dona da casa! nos conhecemos no café, por acaso...

safira não tinha aspecto de quem estava doente... sua estatura era média, corpulenta,  expressão serena, e alguns cabelos grisalhos se destacavam entre os fios negros.

ela foi super receptiva. conversamos um pouco, até cecília ligar e eu me dar conta de que já estava bem tarde e era hora de voltar para a pousada.

- lembra de aparecer no café... - sofi disse me levando até a porta.

- vou lembrar. - sorri, já do lado de fora.

- tenha uma boa noite. - disse ela piscando e dando um risinho de canto.

boa noite dona sofi... - disse encarando seus lábios.


céu e mar (romance lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora