CAPÍTULO 04

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Seis anos atrás

O garoto não parecia nenhum pouco ansioso ou se mostrava nervoso diante de seu mais novo terapeuta. Arthur Brunet era um adolescente de dezesseis anos, usava roupas escuras, uma blusa de rock da banda Cannibal Corpse, pulseiras de couro com protuberâncias de aço, um anel dourado com traços de uma escrita fina nas bordas, cabeça raspada e sombras nos olhos - o contorno de seus lábios também eram pintados de um batom escuro.

Sua mãe lhe colocara na terapia por conta de seus comportamentos impulsivos e agressivos na escola, apesar de ser um aluno inteligente e perspicaz com notas boas, havia agredido por inúmeras vezes seus colegas de sala. Arthur era genioso e se sentia indiferente. Sentia que seus gostos eram exóticos.

Ele colocou sua mochila de jeans preenchida com inúmeros botons de diversas bandas de rock que estava no colo no chão. E continuou a encarar Eduardo que permanecia calado a pouco menos de cinco minutos.

Eduardo mirou o olhar nos olhos obtusos de Arthur e o indagou.

- Você se considera um jovem agressivo?

Arthur respirou fundo em tom de desgosto, imaginava que tudo aquilo seria chato e desnecessário. Entretanto, se seus comportamentos agressivos não mudassem, seria matriculado em uma escola reformatória de cunho religioso, e isso ele não queria. Então via o processo terapêutico como uma chance de agradar sua mãe e permanecer longe do mundo sagrado. O qual sempre lhe incomodava.

- Não. Eu não sou agressivo. Só não costumo ser ofendido sempre e fingir me portar como uma presa. Eu sou um predador.

Kohen meneou a cabeça positivamente, cruzou seus dedos entre as pernas cruzadas e continuou seus questionamentos.

- Você sofre ofensa constantemente na escola? São agressões físicas?

O adolescente deu um sorriso sinuoso, estalou dois de seus dedos de forma discreta.

- Sim. Aqueles inferiores me chamam de estranho, "virjão" - usou seus dedos para fazer aspas -, e dizem que eu vou pro inferno. Eles tentam me bater, mas são incapazes.

Eduardo assentiu, descruzou as pernas.

- Você poderia me dizer especificamente o que mais lhe irrita, o que você menos gosta de escutar.

Arthur tocou seu anel, girou entre o dedo médio, mordeu os lábios com a tez franzida.

- Esses bastardos ignorantes tão novos, abraçam as ideologias sacras e se tornam escravos de seus pensamentos.

Claramente havia outros fatores em torno do jovem adolescente que lhe fazia se esquivar das perguntas do terapeuta.

- Eles me chamam de o mal - continuou -, o estranho cultista do demônio. - Arthur interrompeu seu discurso. - Uma vez eles rasgaram um dos meus livros na hora do intervalo, foi quando eu esganei um deles o fazendo desmaiar.

- Não me incômodo por ter sido chamado de filho do demônio, fiquei irritado por que gastei uma grana grande pra comprar o livro. - disse recolocando sua mochila em seu colo.

- Você sempre reage essas ofensas com agressões Arthur? - perguntou Eduardo.

O adolescente ficou em silêncio, seus pensamentos voaram para além daquela sala.

- Quando as ofensas são verbais eu respondo verbalmente e quando são físicas eu respondo fisicamente. Jamais ceda a outra face, ofensas devem ser reagidas com vingança.

Arthur passou a abrir o zíper de sua mochila olhando fixamente para Eduardo.

- Ouvir dizer que os psicólogos têm um código de ética de não julgarem crenças e qualquer outro tipo de coisa de seus pacientes.

- Sim. Não podemos julgar, não estamos nessa posição. Você deve ficar a vontade pra compartilhar o que quiser. - esclareceu o terapeuta. - Quanto as suas reações, você deve saber que há regras na instituição que proíbem esses tipos de comportamentos. Você já buscou auxilio de algum professor ou outro...

- Eu gosto desses conflitos - interrompeu Arthur sacando da sua mochila alguns livros -, eles me tornam cada vez mais forte. Mas não pretendo brigar mais, eu estou evoluindo e não irei mais me rebaixar a isso.

Eduardo correu seu olhar pelos livros que acabaram de ser expostos pelo adolescente. Identificou alguns autores como: H.P Lovecract, Edgar Allan Poe, Thomas Harris, Frank de Fellita e um destaque para Anton Lavay; o primeiro homem a trazer conhecimentos e práticas filosóficas sobre o culto à Satã, fundando uma igreja em seu nome em meados do século XX.

Anton Lavay expunha uma visão diferente pregada e configurada pela igreja católica sobre Satã que em sua origem hebraica significa adversário ou opositor. Os preceitos do Satanismo de Lavey estavam voltados para o pensamento de liberdade espiritual e material, sem se prender a dogmas de religiões impostas pelo homem. O satanismo fala sobre sobreviver ao mundo, pensando em si no aqui e no agora, se esquivando da falácia de salvação pregada por tantas religiões.

Eduardo analisou a postura de seu jovem cliente, sua expressão era séria, rígida, se impressionava com a fala de Arthur que se mostrava muito perspicaz para sua idade. Comportava-se como adulto e seu discurso era lúcido, consciente e a priori, sem inventividade.

- Esses são alguns dos meus autores preferidos. - disse o adolescente.

O terapeuta pegou os livros, verificou lentamente todos eles e os devolvendo para Arthur, perguntou.

- Fale-me mais sobre esses livros, você fica agressivo quando alguém questiona os seus gostos ou insulta suas crenças?

- Sim e não. Eu não gosto quando insultam meus estudos e meu modo de ver o mundo, mas também compreendo que esses imbecis são incapazes de questionar o que está em sua volta. - Arthur se ergueu da cadeira - A obrigação principal de toda nova era é ascender o novo homem para determinar seus direitos, para levá-lo ao sucesso material - para despedaçar os cadeados enferrujados e as correntes dos hábitos mortais que sempre impediram a sua expansão salutar. Teorias e ideias que podem ter significado vida, esperança e liberdade para nossos ancestrais podem agora significar destruição, escravidão e desonra para nós! - recitou um trecho da bíblia Satânica sentando-se em seguida.

Eduardo semicerrou os olhos, havia algo de admirável e intrigante naquele adolescente magro e de pele alva. A demanda inicial sobre comportamentos agressivos citado pela mãe do garoto era apenas um do vasto repertório de ações de Arthur.

Mas Eduardo teria tempo para destrinchar mais sobre seu mais novo cliente e juntos ordenar da melhor forma uma melhoria para o Adolescente.

Apesar de que Arthur tinha muito a mostrar para seu mais novo psicólogo, coisas que iriam surpreender Eduardo mais cedo ou mais tarde.

O jovem sentou-se na cadeira, tirou seu anel da mão direita e recolocou no dedo médio da mão esquerda.

- O bem e o mal estão em nós, a todo tempo somos contrastes, esquerda e direita, cima e baixo. Só precisamos entender qual a melhor forma de ficarmos dentro dessa cadeia de mistérios.

Arthur recolheu suas coisas e abruptamente se levantou.

- Por hoje é só. - disse ele saindo em direção a porta.

Eduardo saltou da cadeira, tentou acompanhar o adolescente até a porta, mas este saiu esguio e escorregadio.

Eduardo encostou a porta, pisou em um pequeno volume no carpete do consultório. Olhou para baixo para saber o que era e reconheceu o objeto. Era um anel. O anel do Arthur. O que passará toda a sessão o movimentando com os dedos. Aquele objeto era importante para o garoto. Eduardo o colocou no bolso. Arrumou suas coisas, pois em poucos minutos iria receber outro de seus pacientes.


SefirotOnde histórias criam vida. Descubra agora