Capítulo 1

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   Tennessee não poderia medir o tamanho da sua felicidade em participar da reunião. Alguns da Grande Armada haviam se juntado, assim como outros da Lavrada, Coração de Tigre, Olhos de Tarpon, Senhor dos Vassalos, Garganta Mágica e Lança Fortificada. Todos ao redor da fogueira, como numa reunião de gente grande, observando a chama crepitar, soltar algumas faíscas, dançar em cima do braseiro. O carvão desaparecia enquanto conversavam, se aquecendo com as mãos próximas ao fogo e discutindo qualquer coisa que lhes viesse à mente. 

    Na verdade nem todos estavam participativos; os Gargantas Mágicas eram os mais introvertidos do resto do grupo e, quando falavam, era para tentar mudar o rumo da conversa: de uma reunião de garotos que conversavam sobre garotas, ossos quebrados, rodadas de Hurling, brigas na praça e treinos que faziam durante a semana para comentários enaltecendo os diversos doces do Boca de Açúcar, exercícios para afinação e a importância da Tecelagem. Muitas vezes os Gargantas Mágicas eram rebaixados por comentarem tais coisas, até mesmo não considerados homens o suficiente, mas eles não se importavam – pelo menos não a maioria. Mas numa coisa os Gargantas Mágicas concordavam entre si: eles não queriam estar ali. Até mesmo Tennessee, em dado momento, não queria mais participar da fogueira, porque tinha oito anos e não era normal para ele comentar com tanta naturalidade sobre seios; ele apenas brincava de soldado de chumbo com os vizinhos.

    Depois de algumas horas disse a todos que estava com sono e que iria dormir. Se fosse de outro grupo ririam dele e lhe diriam que era um bebê por dormir tão cedo, mas era do Coração de Tigre, os mais fortes, os mais respeitados, os mais corajosos, então apenas gritaram "durma com os carrascos Tampa". Não entendia muito bem o apelido, mas para não ser tachado de burro não contestava. Entrou pela trilha de onde viera. A fogueira com todos aqueles garotos ficando para trás e a floresta de pinheiros com sua escuridão surgindo à frente. Sentia mais fome do que sono, isso admitia para si mesmo. Então correu, muito, mais rápido do que podia, iluminado pela lua (ou Mor, como os mais antigos chamavam). Quando lampiões surgiram pendurados nos troncos de algumas árvores soube que estava perto de casa. A trilha se abriu e a terra batida tomou conta da grama da floresta. Algumas casas ainda mantinham suas luzes acesas, mas logo o fogo se dissiparia das lareiras, das velas em candelabros, dos braseiros em fogueiras e, principalmente, dos lampiões que iluminavam a vila.

    Parou para descansar em um dos postes de madeira em que eram pendurados os lampiões, exausto da corrida que fizera desde a fogueira. Parou para contemplar a noite, que para ele não parecia assustadora e sim mais bela do que o dia. A luz da enorme bola flutuante no céu já bastava, pois aquela noite era como o dia cheio de estrelas, mas sem o sol, claro como o céu, mas escuro como as sombras. De repente não queria dormir, queria olhar para o céu escuro e estrelado mais um pouco e voltar para a fogueira, mas precisava voltar para casa. Passou por algumas ruelas – umas muito estreitas e outras tão largas que caberiam cinco carroças lado a lado –, observando as luzes se apagarem nas janelas das casas vizinhas. Já sentia o indício do vendaval que estava por vim, um vento leve soprando de longe, remexendo as poucas folhas que restavam das árvores e envergando seus troncos.

    Quando chegou em casa percebeu, olhando pela rua, que as luzes já estavam apagadas e entrou sem fazer barulho. Não podia acordar uma família tão grande como a sua. Mas enquanto fechava a porta lembrou-se de seus dois irmãos mais velhos, que minutos antes estavam com ele na fogueira e que ali, naquele exato momento, ainda estavam, porém sem ele. O vendaval chegaria logo. Incerto se deveria voltar, se deveria se arriscar para chamá-los, parou para pensar se daria tempo. Mesmo assim abriu a porta e correu para a rua. Agora seus pés precisavam ser mais ágeis, a sola de seus sapatos teria que aguentar a corrida. Preparou-se e correu, chegando em minutos à entrada da trilha, agora larga e afunilando-se por entre as árvores. Não havia tempo para descanso.

Grande Caos - O VentoWhere stories live. Discover now