Capitulo - Oito

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Às vezes eu encontrava um dos seus amuletos caseiros na minha gaveta de meias ou pendurado
sobre a porta do escritório do meu pai

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Às vezes eu encontrava um dos seus amuletos caseiros na minha gaveta de meias ou pendurado
sobre a porta do escritório do meu pai. Só perguntei para que eles serviam uma vez. Meu pai
provocava Amma sempre que achava um, mas percebi que ele nunca os removia. "Melhor
prevenir do que remediar." Acho que ele queria dizer se prevenir de Amma, que podia fazer
você precisar se remediar.
— Ouviu mais alguma coisa sobre ele?
— Cuidado. Um dia você vai fazer um buraco no céu e o universo vai cair por ele. Aí todos
nós estaremos com problemas.
Meu pai entrou na cozinha de pijama. Ele se serviu de uma xícara de café e pegou uma caixa
de cereal de trigo da despensa. Dava para ver os tampões amarelos ainda enfiados nas orelhas
dele. O cereal significava que o dia dele estava começando. Os tampões significavam que
ainda não tinha começado de verdade.
Me inclinei e sussurrei para Amma:
— O que você ouviu?
Ela pegou meu prato com força e o levou para a pia. Lavou uns ossos que pareciam de porco,
o que era estranho, já que a comida tinha sido frango, e os colocou em um prato.
— Isso não é da sua conta. O que eu gostaria de saber é por que você está tão interessada.
Encolhi os ombros.
— Na verdade, não estou. Só curioso.
— Você sabe o que dizem sobre curiosidade.
Ela enfiou um garfo no meu pedaço de torta de creme. Depois se virou para mim, dando
Aquele Olhar e saiu. Até meu pai reparou na porta da cozinha balançando depois que ela saiu
e puxou um tampão do ouvido.
— Como foi a escola?
— Bem.
— O que você fez a Amma?
— Cheguei atrasada à escola.
Ele observou meu rosto. Observei o dele.

— Número dois?
Assenti.
— Apontado?
— Já estava apontado mas ela o apontou mais. — Suspirei.
Meu pai quase sorriu, o que era coisa rara. Senti uma onda de alívio, talvez até de ter
conseguido uma façanha.
— Sabe quantas vezes sentei a essa mesa velha enquanto ela me ameaçava com um lápis
quando eu era criança? — perguntou ele, apesar de não ser exatamente uma pergunta. A mesa,
lascada e manchada com tinta, cola e caneta de todos os Campbell  que vieram antes de mim, era
uma das coisas mais velhas da casa.
Sorri. Meu pai pegou a tigela de cereal e balançou a colher na minha direção. Amma tinha
criado meu pai, um fato do qual eu era lembrado cada vez que pensava em ser insolente com
ela quando criança.
— M-I-R-I-A-D-E. — Ele soletrou a palavra enquanto colocava a tigela na pia. — P-L-E-T-
O-R-A. O que quer dizer maior do que você, Morgana Campbell.
Quando ele chegou embaixo da luz da cozinha, o meio-sorriso se reduziu a um quarto e depois
sumiu. Ele parecia ainda pior que o normal. As sombras no rosto estavam mais escuras, e
dava para ver os ossos embaixo da pele. O
rosto estava verde de tão pálido por nunca sair de casa. Ele parecia um pouco com um
cadáver vivo, já havia alguns meses. Era difícil lembrar que ele era a mesma pessoa que
costumava sentar comigo por horas na beira do lago Moultrie, comendo sanduíche de salada
de galinha e me ensinando como jogar a linha de pesca. "Para a frente e para trás. Dez e duas.
Dez e duas.
Como os ponteiros do relógio." Os últimos cinco meses foram difíceis para ele. Ele amava
mesmo minha mãe. Mas eu também amava.
Meu pai pegou o café e começou a andar em direção ao escritório. Era hora de encarar os
fatos. Talvez Macon Ravenwood não fosse o único recluso da cidade. Eu achava que nossa
cidade não era grande o bastante para dois Boo Radley. Mas isso tinha sido o mais próximo
de uma conversa que nós tínhamos tido em meses, e eu não queria que ele fosse embora.
— Como está indo o livro? — soltei. Fique e converse comigo. Era o que queria dizer.
Ele pareceu surpreso, mas deu de ombros.
— Está indo. Ainda tenho muito trabalho a fazer. — Ele não conseguia.

— o Sobrinho de Macon Ravenwood acabou de se mudar para cá. —
Falei essas palavras quando ele tinha colocado os tampões de volta. Fora de sincronia, nosso
modo habitual. Pensando melhor, minha sincronia com a maioria das pessoas tinha sido assim
ultimamente.
Meu pai tirou um tampão, suspirou e tirou o outro.
— O quê?
Ele já estava andando de volta para o escritório. O cronômetro da nossa conversa estava
quase zerado.
— Macon Ravenwood, o que sabe sobre ele?
— O mesmo que todo mundo, acho. Ele é um recluso. Não sai de casa há anos, pelo que sei.
Ele empurrou a porta do escritório e passou por ela, mas não o segui.
Fiquei em frente à porta.
Nunca coloquei o pé lá.

Fiquei em frente à porta.
Nunca coloquei o pé lá. Uma vez, só uma, quando eu tinha  4 anos, meu pai me pegou lendo o
livro dele antes de ter terminado de revisar. O
escritório era um lugar escuro e assustador. Tinha um quadro que ele sempre mantinha coberto
com um lençol sobre o esfarrapado sofá vitoriano. Eu sabia que não deveria nunca perguntar o
que havia embaixo do lençol. Depois do sofá, perto da janela, ficava a escrivaninha do meu
pai. Era de mogno entalhado, outra antiguidade que tinha sido herdada junto com a casa,
passada de geração em geração. E livros, velhos livros de capas de couro que eram tão
pesados que ficavam apoiados sobre um suporte de madeira quando estavam abertos. Aquelas
eram as coisas que nos prendiam a dakota,  nos prendiam a Wates Landing, assim como tinham
prendido meus ancestrais por mais de cem anos.
Sobre a escrivaninha estava o manuscrito dele. Estava lá em uma caixa de papelão aberta, e eu
tinha que saber o que dizia. Meu pai escrevia terror gótico, então não havia muito que ele
escrevesse que fosse apropriado para um menino de 7 anos ler. Mas cada casa em Dakota  era
cheia de segredos, assim como o próprio sul, e minha casa não era exceção, mesmo naquela
época.
Meu pai me encontrou sentado no sofá do escritório com páginas espalhadas em volta de mim,
como se uma bombinha tivesse explodido dentro da caixa. Eu não era esperto o bastante para
disfarçar os vestígios que deixava, coisa que aprendi rapidamente depois daquilo. Só me
lembro dele gritando comigo e de minha mãe ir atrás de mim e me encontrar chorando

Antes que o sinal tivesse tocado no dia seguinte, Tristan Duchannes era o único assunto sobre o
qual todo mundo falava na Jackson. De alguma forma, entre tempestades e apagões, Loretta
Snow e Eugenie Asher, mães de Savannah e Emily, tinham conseguido botar o jantar na mesa e
ligar para todo mundo na cidade para contar que a "parente" do louco Macon Ravenwood
estava dirigindo por dakota no rabecão dele, o qual elas tinham certeza que ele usava para
transportar cadáveres quando ninguém estava vendo. A partir daí a história só piorou. Há duas
coisas com as quais sempre podemos contar em dakota. A primeira é que você pode ser
diferente, até louco, desde que saia de casa de vez em quando para que o pessoal não pense
que você é um assassino da machadinha. A segunda, se há uma história para contar, pode ter
certeza que haverá alguém para contá-la. Um garoto novo na cidade foi morar na mansão mal-
assombrada com o recluso da cidade, isso é uma história, provavelmente a maior em dakota
desde o acidente de minha mãe. Então não sei por que fiquei surpreso quando todos estavam
falando sobre ele — todos menos os caras. Eles tinham um compromisso antes.
— E então, o que temos, Em? — Lizzy bateu a porta do armário.
— Contando os testes para líderes de torcida, parece que temos quatro notas 8, três notas 7 e
um bando de notas 4. — Emory não se deu ao trabalho de contar as garotas do 1º ano que ele
avaliou com nota abaixo de 4.
Bati a porta do meu armário.
— Isso é novidade? Não são as mesmas garotas que vemos no Dar-ee Keen todo sábado?
Emory sorriu e deu um tapinha no meu ombro.
— Mas elas estão no jogo agora, Morgana. — Ela olhou para as garotas no corredor. — E estou
pronta para jogar.

Apenas Um Minuto - Anjos e humanosOnde histórias criam vida. Descubra agora