Quando soube da notícia fiquei completamente destroçado. Senti-me como se tudo à minha volta tivesse desmoronado. Eu pensei que esta notícia não me fosse abalar tanto, mas abalou.
Podíamos não nos vermos há muitos anos, ele podia não concordar com a vida que escolhi, podíamos estar de relações cortadas, mas ele continuava a ser o meu pai, e seria sempre difícil para um filho suportar a morte de um pai.
Agora estava ali.
De fato negro, em conjunto com o Derek, olhando para o caixão, tentando não chorar para não atrair olhares indesejados.
Mas esses olhares já estavam vidrados em nós. Até o padre olhava para nós com descrença, as pessoas olhavam e cochichavam.
Eu já imaginava o que elas diziam, mas tentei ignorar. Apertei com força a mão do Derek e subi ao altar, fazendo o sinal da cruz, embora não fosse cristão.Fi-lo apenas por respeito.
Quase como se previsse, muitos reviraram os olhos e o burburinho recomeçou. Mais uma vez ignorei e comecei o discurso:
-O meu pai... era um grande homem. Foi ele... que me ensinou tudo o que sei hoje. E devo a ele a pessoa que me tornei. Sei que era muito respeitado na comunidade e era um homem tido em conta por todos. Graças a ele, tornei-me no homem que sou hoje...
"Outra vez... as pessoas não sabem ter respeito nenhum pelo sofrimento dos outros."
Novamente as pessoas voltaram a cochichar, quase que se ouvia o que diziam. Eu estava a passar-me com tudo aquilo, e embora o Derek não quisesse que eu arranja-se confusão, não consegui conter-me quando:
-Tu, um homem?! -exclamou um homem desatando às gargalhadas. - Tu nunca serás um homem!
-Pronto, já chega!Todos para o olho da rua! - gritei eu atraindo a atenção novamente para mim. - Se vocês se sentem incomodados com a minha presença,vão-se embora! Eu sou familiar! Tenho mais direito de estar aqui, do que qualquer um de vocês!
-Tu eras uma vergonha para o teu pai! - ouvi alguém a gritar na multidão.
-Saiam já! - gritei apontando para a saída.
-Nós também temos direito a estar aqui!
-Vocês perderam esse direito no momento em que desrespeitaram o meu luto! - inspirei fundo. - Saiam.
Todos saíram, a resmungar, mas saíram, deixando-me a mim, ao Derek e ao padre, que estava com ar de quem queria sair dali.
-Se o senhor quiser também pode sair. Já cumpriu a sua função de fazer a missa em honra do defunto. - disse eu tentando parecer o mais educado possível, depois do que se tinha passado.
O padre logo se apressou a ir buscar as coisas dele e a sair de lá. Eu fui até à entrada para trancar as portas, mas já não aguentava aquela pressão toda. Acabei por deixar cair-me encostado às portas, enquanto chorava compulsivamente.
Chorava por um homem que não me amava nem nunca me tinha amado. Chorava por ter deixado coisas por dizer. Chorava pela pessoa que era. Chorava pela cruz que eu tinha que carregar todos os dias até o fim da vida, à conta da minha escolha. E chorava só por chorar.
O Derek correu logo para ao pé de mim.
-Spencer... tu sabes bem como as pessoas são. - disse ele sentando-se também ao pé da porta.
-Eu sei, Derek. - disse eu olhando para as minhas mãos trémulas.
-Não é só isso, pois não?
-Não é só uma coisa,é tudo! É as pessoas, é o meu pai...
Mais uma vez,desmoronei emocionalmente nos braços do Derek.
-Eu compreendo. - disse ele abraçando-me com força. - Não há-de ser fácil. Sem apoio da família, sem apoio de ninguém...
-Ao menos tenho-te a ti. - disse eu encostando a minha testa à dele e inspirando profundamente.
-Nós temos que nos manter unidos. Custe o que custar. - disse ele segurando as minhas mãos. - Não podemos ligar ao que os outros dizem ou pensam. Não são eles que comandam a nossa vida.
Levantei-me em conjunto com ele e seguimos para o cemitério. Podíamos estar lá apenas os dois, mas o clima mesmo assim era pesado. O coveiro já tinha cavado o buraco e o corpo estava prestes a ser enterrado.
-Espere! - gritei eu correndo. - Pode dar-nos alguns minutos? Somos familiares do defunto.
-Claro. Eu por momentos pensei que ninguém viria. Estejam à vontade. - disse ele virando costas e indo-se embora.
Eu e o Derek colocámos duas rosas brancas que trazíamos connosco em cima do caixão. Tirei um pequeno papel do bolso e preguei nos espinhos da rosa.
-O que é isso?
-São todas as palavras que deixei por dizer.
Após eu fazer as últimas despedidas saímos.
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"Pai...não me vou alongar muito, pois não vale a pena trazer assuntos pendentes do passado para o presente.
Apenas quero dizer que sempre quis que o senhor me visse e me tratasse como um filho, e não como outro qualquer. Eu sou o que sou e não posso ignorar isso.
Fiz de tudo para que o senhor me aceitasse, mas o senhor não queria ter um filho como eu.
Então eu simplesmente tive que aceitar, e seguir com a minha vida sem o seu apoio, sem o apoio de ninguém. Passei por muito, mas estou feliz por estar aqui agora para dizer que sobrevivi a tudo isso.
Encontrei uma família que me acolheu como se fosse filho deles, encontrei o amor, e isso vale mais que a sua aceitação.
Fique sabendo que,embora o senhor não me considera-se seu filho, eu considerava-o meu pai, e é por isso que agora choro a sua morte. Não sei se o senhor faria o mesmo.
Eu só queria ser feliz à minha maneira. E é o que sou hoje.
Feliz à minha maneira."
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"Não podemos ser perfeitos, podemos ser nós mesmos."
Wordsorever
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The song's book
Short StoryMuitas pessoas ouvem músicas todos os dias, mas como seria se essa música fosse um conto que toda a gente pudesse ler? A resposta está aqui. Vale a pena ver! 1º lugar na categoria "Contos" do Projecto @EuTudo! PS: Deixem nos comentários as músicas q...