Gasoline

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    "Sempre pensei que conseguiria chamar a atenção das pessoas, mas nunca pensei que os meus planos se voltassem contra mim desta maneira. Eu só queria que as pessoas acordassem e vissem os estragos que estão a causar. Não queria isto.

      Não queria ser alvo de chacota de um país inteiro. Mas aqui estou eu. A olhar para a televisão revivendo aquele momento uma e outra vez, marcando-o cada vez mais nos meus olhos vermelhos.

      O advogado disse que tudo isto ia passar, assim como o psicólogo que contratei recentemente.

      A única coisa que eu sei é que já se passaram três semanas e não sou capaz de sair de casa.

      Eu só queria que as pessoas vissem o que andam a fazer e alertá-las para isso. Será assim tão estúpido?

      Será assim tão estúpido que eu queira que as futuras gerações vejam baleias na realidade, ao invés de em livros que dirão que estão extintas? Será assim tão estúpido que eu queira contrariar as previsões horríveis que muitos cientistas preveem com o avanço do aquecimento global?

      Pelos vistos é, de acordo com os sussurrares que ouvia quando andava de metro até à sede da ONG onde trabalhava, depois do incidente. Pois, porque nessa altura eu pensava: " Eu acredito no que defendo."

       Nessa semana, eu tinha tido o privilégio de participar num debate transmitido a nível nacional, com alguns membros do governo, sobre o impacto do ser humano na natureza e as consequências do mesmo.

      Eu tinha achado incrível a abertura do governo para fazer tal coisa. Achava que eles tinham-se apercebido que não podiam continuar a poluir e que o debate seria a melhor maneira de mostrar que tinham mudado a sua posição e estavam abertos a mudanças.

     Mas estava tão enganada...não fazia a mínima ideia do que estava para vir.

     O dia do debate foi completamente avassalador.

     Assim que entrei fiquei surpresa com a quantidade de cientistas que o governo tinha trazido para o debate, entre eles o famoso Ed Thomson com quem eu tinha tido o privilégio de fazer uma entrevista para um artigo da empresa. Acenei-lhe.

     Logo que ele olhou para mim, baixou o olhar como se fosse uma criança que tinha acabado de partir o jarro favorito da mãe. Um olhar de culpa. Na altura, não percebi o porquê daquele olhar, mas tudo se revelou assim que o debate começou.

     Eles estavam ali, não para conversar, mas sim para atacar o nosso movimento com quantas forças tinham. E os cientistas estavam lá para comprovar a posição deles.

     -Está mais que comprovado que o aquecimento global é algo que não existe. O aquecimento do planeta não passa de um evento temporário que já estava previsto a alguns anos. São os ciclos normais do planeta.

     Assim que estas palavras saíram da boca do Ed, eu fiquei embasbacada.

     Levantei-me de repente da cadeira e liguei o microfone.

      -Desculpe, mas o senhor, enquanto cientista, deve ser coerente no que diz, pois se não me falha a memória, o senhor deu uma entrevista para um artigo da nossa associação em que dizia exatamente o contrário, à pouco menos de um mês.

      Ele olhou para mim sem falar. Notava-se a infelicidade no rosto dele. Mas eu não podia simplesmente ter-me calado, só porque o conhecia.

      -E se a senhorita tivesse um bocado de bom senso, sabia que a opinião das pessoas muda com o tempo. A ciência está sempre a evoluir. O que hoje se afirma,amanhã pode ser refutado.

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