Quando viu que a ligação tinha terminado, fui para a poltrona, deixando a cama toda para Sam. Visto que ambos tivemos dias horríveis, ele merecia um pouco de conforto. Parecia exausto, como se não dormisse a dias. Talvez fosse isso mesmo.
Agora, sem maquiagem e um pouco mais sóbria, analisei a situação. Estava longe de casa com um estranho. Não tão estranho assim. Apesar de ter mentido quanto ao objetivo do trabalho, ele veio para dar um tempo de alguma coisa. "Você jogou a merda no ventilador, Claire", foi isso que disse pra mulher do telefonema. Claire. Namorada, ou esposa. Que seja. Iria esperar o primeiro raio de sol da manhã pra cair fora. Não podia me meter em outro problema. E sair de onde estavam com cara comprometido seria um dos grandes. Também não queria por Sam em problemas. Por de trás de um cara rude, acreditava que havia alguém bem legal ali no fundo.
Ele se sentou na cama, de costas para mim, com as mãos no rosto. Pude ouvir um suspiro vindo dele.
- Quanto a Claire? Vai se meter em problemas por minha causa?.
-Ela não é ninguém com quem devemos nos importar agora.
-Era sua esposa?
-Ex-esposa.
-Sinto muito que as coisas estejam assim entre vocês.
-SENTE? COMO PODE SENTIR SEM AO MENOS NOS CONHECER?
-Ahh, e-eu não quis..
-NÃO É VOCÊ QUEM ESTÁ COM A VIDA DESMORONANDO BEM DE BAIXO DO NARIZ E NÃO CONSEGUE MANTER O CONTROLE EM ABSOLUTAMENTE NADA.
-Talvez se não quisesse ser tão controlador assim, rude com as pessoas, as coisas funcionassem melhor pra você!
- VOCÊ ME ACHA RUDE? ACHA QUE EU SOU ASSIM PORQUÊ QUERO?
-Acho que você tem controle da própria vida e não tem que ficar descontando tudo em cima dos outros.
Sem perceber, ambos estavamos de pé, gritando um para o outro. A essa hora, as pessoas dos outros quartos deveriam ter acordado com a briga. Estragamos a noite de muita gente. Ou demos para elas mais emoção.
- Desculpe.
-Ah, pronto. É boazinha demais, sabia? As pessoas tendem a pisar em pessoas como você.
-Pessoas como eu? Como são as pessoas como eu, Sam?
-Acham que vão conseguir a paz mundial, mas não passam de um bando de hippies urbanos, pregando a palavra da comida sem crueldade, um mundo sem lixo, sem fome, sem doença. Vou te falar como as coisas são, as pessoas riem na suas costas. Não se importam com isso, nem nunca vão mudar a rotina delas pra melhorar o mundo.
Senti meus olhos encherem de lágrimas. Olhei para a janela e viu que a chuva ainda caia, tão forte que nem conseguia enxergar a noite lá fora. Queria sair correndo mais uma vez. Era mais prático, e dava certo. Mas naquelas condições, estava fora de questão. Odeio chuva, sempre assimilava com catástrofes, com tempestades como essa. Mas também não queria ficar ali pra ser insultada por um cara engomadinho como ele. Todo sentimento que sentia por ele, entendi agora, não passava de pena, por ser uma pessoa tão amargurada assim.
-Pra um homem de aparência profissional, você é bem indelicado.
- Porra! Me desculpa, eu não tinha...
-Vai pro inferno.
Sam paralisou ao ouvir as palavras que saim da minha boca. Nunca imaginariam que eu fosse capaz de mandar alguém pro inferno. Perdeu a paciência.
-Quer saber seu idiota, não temos mais nada pra dizer um pro outro. Vou até o térreo pedir um quarto. Não preciso ficar ouvindo deboche de alguém, como você.
Nos entreolhamos. Viu que o assustei. Ele não esperava por uma atitude como essa. Era um erro comum que as pessoas cometiam, me subjugavam-na incapaz de me defender sozinha. Sempre me tiravam como uma chorona, em qualquer situação. Nunca enxergavam a mulher forte que havia me tornado. As vezes, até eu mesma esquecia que era.
Comecei a tirar a camiseta que era de Sam. Vi que ele não iria impedir. Melhor assim.
-Amy. Não precisa fazer isso. Os quartos aqui são uma fortuna. É o único motel da região que deixam pernoitar. E é bem provável que não tenha ninguém na recepção.
-Então estou presa à você?
- Caso se sinta presa, tudo bem pode ir.
Ele passou da expressão de furioso para sereno. Até senti uma ponta de arrependimento pelas palavras que joguei na cara dele. Mas ele me insultou. Humilhou meus ideias.
- Acha que é o único que tem problemas. Acha que minha vida é perfeita, que sou rodiada de luz, passarinhos e durmo ao ar livre sempre que posso? Vou te falar, a maior parte da minha vida foi obscura e sozinha. Ninguém acreditava em mim, nem me apoiavam. A única pessoa que eu já amei me enganou, humilhou. Não fiz escolhas boas ao longo da vida, então se acha que sabe um terço sobre mim, você tá completamente errado.
Joguei sua camiseta na cama. Ele não se moveu. Ficou parado, me olhando.
-Não vá embora.
- Me deixa.
-Por favor.
- Não
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Our Night
RomanceAmy é uma jovem moça que está saindo com um homem mais velho, porém com desejos um tanto quanto incomuns para ela. Na noite em que saem juntos ela acaba encontrando alguém que a faz enxergar sua vida com outros olhos.