VI

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-Meus pais foram ausentes acho que minha vida inteira. Fui criado pela minha vó até os 15 anos, quando ela morreu. Desde então aprendi a viver sozinho. Meus pais sempre tiveram uma boa renda. Mas descobri que a renda vinha da minha vó. No testamento ela deixou uma boa parte para mim, mas não tanto pro filho dela. Usei uma parte pra pagar meus estudos, consegui bolsa na universidade. Desde cedo ela me ensinou que um planejamento financeiro é essencial na vida. Mas meus pais não pensavam assim. Gastaram tudo em viagens, roupas, essas coisas. Quando o dinheiro acabou, há uns anos atrás, eles voltaram pra casa. Achei que fosse por mim, mas eles queria que eu os bancasse.

- Nossa, Sam.

Ele deitou na cama, com as mãos atrás da cabeça e seus olhos fecharam. 

- Quando tudo isso aconteceu, eu enlouqueci. Sai da casa deles, mas ainda sim os ajudava com algumas coisas. Compras do mês, contas... Eles não reclamaram. Até a hora que me pediram pra pagar a viagem de 30 anos de casados deles pro Caribe e eu disse não. Me chamaram de ingrato, e aí foi a gota pra mim. Enfrentei meu pai e disse que ele não passava de um "zé ninguém" que não conseguia nem se sustentar com coisa mínimas, e vivia de aparências. No final das contas, não nos falamos mais. As vezes falo com a minha mãe. Mas é algo raro. Soube que meu pai conseguiu emprego como professor de idiomas em um curso. Minha mãe faz bicos de esteticista, sabe? Faz cabelo, depilação. Foram obrigados a vender boa parte dos bens que tinham. 

-Você lida bem com isso?

- No começo me sentia horrível. Mas se eu continuasse a deixa-los a viver a merce dos outros, eles nunca iriam parar com esse estilo de vida, que não cabia no bolso. Pode dizer que sou um sem coração, mas eles conseguiram se virar.

-Se não conseguissem?

-Não ia deixar que passassem necessidades também. Não sou um monstro.

Houve um silêncio mutuo e duradouro

-No que está pensando, Amy?

- Não que eu te ache um monstro, você me parece ser sensato. Como conseguia dormir a noite sabendo que seus pais estavam falidos?

-Pra ser honesto, depois de um tempo eu durmo apenas por exaustão do corpo. Minha mente simplesmente apaga. E são meus pais, eu fiz o que fiz, mas com cautela. Guarda um segredo?

-Acho que sim.

- Fui eu quem consegui o emprego pra ele. E fui eu quem pagou  curso de esteticista da minha mãe. Ela acha que foi sorteada, mas eu a inscrevi. Ela sempre fora muito linda e vaidosa. Sabia que era algo que não iria abrir mão.

Fiquei impressionada. No fim das contas ele era uma pessoa gentil, ainda que preferisse demonstrar o contrário. Nunca poderia imaginar uma coisa dessas. Vestiu a camiseta.

-São uns imbecis.

-Quem?

-Nossas famílias.

-De certa forma, foram eles que nos tornaram o que somos hoje.

Sam voltou-se a ficar sentado e olhar fixamente para mim.

-Como pode ser tão otimista com tudo?

-Não diria que sou otimista. Eu apenas vi um lado bom de toda essa situação. Sou feliz por quem sou, mesmo que isso signifique que tenha sido desapontada pela minha família.

-Maravilhosa.

-ÃN?

-Você. Desculpa pelo que falei de você. 

-Tudo bem.

-Não, não tá tudo bem. Eu nunca poderia ter imaginado uma coisa dessas sobre você. Te julguei e muito mal. Ofendi seu estilo de vida, e você se esforça pra tornar o mundo melhor, até mesmo pra essas pessoas que não valem a pena.

Sorri. Meu coração ficou aquecido com essas palavras. Nunca ninguém disse algo assim para mim. Pude sentir que foram palavras sinceras vindas dele.

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