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S I R E N A
MEUS PÉS SEMPRE FORAM MAIS SUAVES QUE MINHAS PALAVRAS. Consigo facilmente controlar minha respiração, equilibrar meu peso de maneira a me mover tão silenciosamente quanto possível, e assim ninguém nunca percebe minha presença antes que eu queira aparecer, mas, infelizmente, acho que não compartilho do mesmo talento natural para a comunicação. Ou paciência.
Deve ser por isso que, enquanto boa parte das pessoas está na praça conversando, festejando ou passando tempo com suas famílias, fico no meu quarto tecendo redes de pesca até meus dedos doerem o suficiente para minha mente se desligar da colheita. Hoje está longe de ser um dia comum. Em um dia comum eu estaria na escola, ouvindo sobre a história da nossa civilização ou talvez tendo algumas aulas na academia, esperando que nunca precisasse usar esse conhecimento. Mas as aulas estão suspensas hoje, bem como qualquer outra responsabilidade que as pessoas têm nos dias normais; a nossa única obrigação é comparecer à colheita às duas horas.
Consigo ouvir o movimento de pessoas lá fora, animadas pelo evento. O relógio na parede me diz que já passa das onze, o que significa que preciso me apressar.
Estou quase terminando uma terceira rede quando percebo uma movimentação incomum do lado de fora da janela, tão rápida que preciso olhar uma segunda vez para ter certeza de que não estou imaginando coisas; mas não estou. Estranho à paisagem do lado de fora, o cabelo castanho de Kian é facilmente identificável agora que estou prestando atenção. Meu irmão não é muito bom em se esconder. Eu conseguiria perceber sua presença com facilidade mesmo se não pudesse vê-lo, mas não quero que ele saiba disso. Ele é muito novo para pensar que não pode fazer alguma coisa.
Levo o dobro do tempo necessário para terminar a rede de propósito. Então suspiro e a deixo de lado para sentar no peitoril da janela, olhando para baixo onde meu irmãozinho está agachado e quase imóvel em seu esconderijo. Ele deve ter sentido a minha presença ou, muito provavelmente, visto minha sombra se estendendo, projetada pelo sol do meio-dia, porque seus olhos castanhos se voltam imediatamente para mim.
— Oi — exibo um meio sorriso, o mais convincente que meu rosto tenso consegue formar.
— Oi, Sirena — diz ele, limpando a poeira dos joelhos enquanto se levanta casualmente, como se não estivesse espionando. Se essa for a roupa que ele vai vestir para me acompanhar na colheita, tenho certeza de que minha mãe não vai ficar muito feliz. — O que você está fazendo aqui sozinha? Mamãe e papai estão preocupados.
— Nada — murmuro, mas não tenho certeza se ele ouviu. Seus olhos estão encarando a estrada, por onde as pessoas passam de vez em quando, indo em direção à praça. Esse olhar em seu rosto faz com que ele pareça mais velho do que realmente é. — Eles não precisam se preocupar. Nem você.
— Eu sei. Eu não estou preocupado — as palavras saem tão rápido que sei que está mentindo, mas não digo nada. Talvez nem ele mesmo saiba que é uma mentira.
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À Deriva | f. odair
FanfictionFilha. Irmã. Amiga. Sirena Starke é todas essas coisas, mas nunca pensou que teria de adicionar "assassina" à lista. A vida no distrito 4 poderia ser pior. Sirena pesca para viver, tem um teto sobre sua cabeça e uma família que, apesar de quebrada...