ii. o adeus

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S I R E N A

TECNICAMENTE, SOMOS UM DISTRITO DE CARREIRISTAS: tributos que se voluntariam para participar dos Jogos. Fora o ramo da pesca, é para isso que somos criados e preparados. Temos uma academia de treinamento no subterrâneo. Temos boas condições de vida. Nossa população é grande. O voluntariado não é um acontecimento totalmente incomum.

Digo a mim mesma que é por isso que fico congelada no lugar: estou aguardando alguém mais capaz do que eu se voluntariar. Inspiro. Expiro. Mas ainda sinto como se estivesse sendo estrangulada. Alguém vai aparecer, não é? Maelana chama por voluntários e meus olhos correm pela multidão em um desespero silencioso. Mas não há nada. Nenhum som ou movimento brusco; ninguém se apresenta para tomar o meu lugar.

É claro que não. Não temos uma voluntária porque todos viram o que aconteceu ao tributo feminino no ano passado: foi queimada viva por um tributo do um, enquanto ele a assistia morrer lentamente. Ninguém está tão ansioso para arriscar o pescoço por um estranho tão cedo.

Não, não, não.

Umedeço os lábios. Vejo alguns pacificadores próximos ficando inquietos, movendo suas cabeças na direção em que a multidão se abriu para me dar passagem. Sei que estão prestes a vir até aqui e me arrastar até o palco se eu não começar a me mover agora, então, lentamente, ergo minha cabeça e visto minha melhor expressão de tranquilidade enquanto caminho na direção do que pode ser a minha morte. Os pacificadores me escoltam até o palco, cercando-me por todos os lados — como se eu fosse louca o suficiente para tentar fugir.

Apesar de não ser necessário, Maelana estende sua mão esquerda para me ajudar a subir o último degrau, sorrindo como se eu tivesse acabado de ganhar um prêmio incrível. Me sinto obrigada a aceitar o gesto por causa das câmeras, e no fundo talvez seja melhor contar com alguma coisa para me equilibrar agora, porque tenho medo que minhas pernas cedam de vez. Lembro do sorriso que minha mãe me deu hoje mais cedo e sinto um ódio inexplicável pelo sorrisinho condescendente fabricado na Capital que recebo agora.

— Muito bem! Muito bem! — ela continua, soltando-me assim que me coloca de frente para a multidão curiosa, para que possam me ver melhor. Aposto como estou aparecendo nas televisões de todo o país agora mesmo, então me esforço para sustentar a expressão impenetrável em meu rosto. — Agora, vamos aos cavalheiros!

Desta privilegiada posição, consigo enxergar as milhares de pessoas com maior facilidade, mas ainda assim não encontro nenhum rosto familiar o suficiente para me acalmar. Vejo conhecidos, pessoas da escola e da academia, gente com quem minha família já negociou, mas nada além disso. Então tento imaginar o mar, a tranquilidade de nadar nas águas cristalinas, a sensação da areia sob os meus pés descalços...qualquer coisa que leve minha mente para um lugar distante daqui. Mas não funciona, porque Maelana está prestes a sortear o primeiro adversário que vou conhecer.

À Deriva | f. odairOnde histórias criam vida. Descubra agora