Perchance

Quebra I

No rádio, uma melodia já conhecida começou a tocar. Logo depois, um zumbido surdo ecoou dentro do carro. Reconhecendo a vibração, Ariana olhou para sua bolsa jogada no banco do carona. Pensou um segundo, dois, três, por fim suspirou e alcançou o aparelho.
Podia ser a Camila...
"Oi, Ariana"
Outro suspiro, dessa vez de decepção.
"Fala, Lauren."
"Você pode avisar a Camila pra ela passar aqui no meu apartamento e pegar o Enzo? Liguei varias vezes, mas o celular dela só da caixa postal. É que meu carro tá na oficina e a Vero tá ocupada essa tarde, não vai dar para levá-lo."
... I was a liar, I gave into the fire, I know I should've fought it, At least I'm being honest...
"Estou na rua. Aguarda um segundo...", deu passagem ao apressadinho que buzinava sem parar atras dela há quase cinco minutos, "Escuta Lauren, eu passo aí e busco o Enzo, pode ser?"
Fez-se um silêncio na linha, então ouviu um exalar antes da resposta.
"Ah, claro. Passa daqui a uma hora, tudo bem?"
"Tá, tchau."
"Tchau."
...feel like a failure, cause I know that I failed ya, I should've done you better, cause you don't want a liar...
Desviou o olhar da estrada por um segundo, encerrando a chamada. Jogou o celular no banco. Olhos na estrada novamente, dedos tamborilando no volante, aquela ânsia estranha retornara.
...And I know, she gives you everything, but girl, I couldn't give it to you...
A tela do aparelho acendeu novamente, um rosto familiar apareceu. Segundos a mais de inquietação, a menos de concentração.
"Alô, amor?" disse a voz do outro lado.
... And I know that you got everything, but I got nothing here without you...
"Amor? Eu preciso te expli-"
...So one last time, I need to be the one who takes you home, one more time. I promise after that, I'll let you go...
Seu próximo segundo foi de total escuridão.
"Baby, i don't care if you got her in your heart, all I really care is you wake up in my arms".

- TRÊS HORAS ANTES -

Havia tomado sua chuveirada e descido para pegar a bolsa. Miley e Stella já não estavam mais na sala e em qualquer outro lugar do estúdio. Provavelmente tinham saído para aproveitar o resto do domingo juntas. E Ariana? Não estava mais na piscina, também não a viu pela casa. Foi até a cozinha e distraiu-se com umas notas de geladeira por alguns momentos, então lembrou que havia deixado seu celular no quarto.
Abriu a porta, entrou, mas hesitou logo no segundo passo.
Foram as lágrimas no rosto da mulher sentada na beirada da cama que a fizeram parar e engolir em seco. Ariana usava apenas a parte de baixo do biquíni, a outra jogada na cama do seu lado. Ela segurava um objeto entre as mãos para o qual seus olhos fechados não miravam.
"Te ligaram", disse com um fungado, os olhos ainda fechados.
As palavras, o ar, o chão, tudo fugiu de Camila nesse momento. Sua presença de espírito só durou o suficiente para que ela encurtasse a distância entre seus pés e os de Ari. Ali parada, estendeu uma mão, notou que tremia. Todo o seu corpo tremia.
Quis recuar na sua decisão. Tinha mesmo que ser feito? Tinha que ser assim? Já havia esperado tanto, por que não um pouco mais? Só mais um pouco...
Mas então Ariana abriu os olhos e era tarde demais. Ela levantou-se devagar, ficando de frente pra Camila. Olharam-se, pela primeira vez em muito tempo, sem reservas. Olharam-se bem no fundo, castanhos nos castanhos, é esse olhar que durou alguns segundos e falou de tantas coisas estranguladas, esse olhar durou mais que tudo, durou o tempo de uma vida inteira juntas.
A vida que estava prestes a se perder.
Camila, a essa altura, já havia esquecido que estava com raiva de Ariana. Porque não havia motivos mais puros, nem maiores, nem melhores nesse mundo do que os que a trouxeram aqui e agora, esses mesmos motivos que só conseguia enxergar a luz dos olhos castanhos da sua cantora favorita... Deus, como amava essa mulher. Não queria, mas acima de tudo, não podia perdê-la. Sabia que não sobreviveria a isso. Mas era o que ia acontecer. Por um erro. O erro mais estupido que poderia ter cometido. O que a assombrava desde aquela noite em que não voltou pra casa,  para os braços de sua Ariana. Sua companheira. Sua mulher.
Sua vida.
Agora, só queria ter a coragem, a força para levantar sua mão, tirar aquele maldito aparelho das mãos de Ariana e atirá-lo para longe, muito, muito longe de suas vistas.
Mas não tinha.
Ariana teve.
O estrondo que ecoou quando o celular colidiu contra a parede oposta do quarto trouxe Camila de volta do transe em que havia mergulhado. Quando deu por si, Ariana já estava fora do seu alcance.
"Espera aí, a gente precisa conversar, amor. Por favor, para e me escuta só um minuto..." Camila a seguiu pelo quarto até que Ari parou abruptamente diante da porta do banheiro, uma mão firme segurando-a pelo antebraço.
Ariana virou lentamente e lhe deu um olhar frio, "Me solta".
Mas Camila não consentiria dessa vez. Tinha que ganhar tempo, precisava reverter essa situação se ainda tinha qualquer esperança de fazer com que a mulher a ouvir-se que acreditasse em seus motivos.
"Qual é o seu problema cara?!" Retrucou, entrando na defensiva.
Silêncio foi tudo que a outra mulher ofereceu.
Sentindo-se acuada pela atitude apática de Ariana, Camila largou o braço dela e se afastou um passo, "você anda por aí com essa Dua pendurada no seu pescoço o tempo inteiro. E agora eu vejo você beijando aquela hija de la gran puta" respirou fundo "praticamente dentro da nossa casa Ariana?! Aí você pira por causa de que? Uma ligação?!"
"Foi ela que me be-"
"Não interessa!" Camila interrompeu, gesticulando bruscamente.
E agora que se lembrava porque estava com raiva dela, ficou ainda mais furiosa, consigo mesma, com toda a situação que havia espiralado para o pior cenário possível.
Já não sabia mais a medida das palavras porque ou quem estava atacando.
"Você deixou ela te beijar! Podia ter evitado, empurrado, o carajo! Mas não, você ficou lá, aproveitando o momento... E vai saber quantos outros momentos vocês tiveram nas minhas costas, ein, Ariana?! Porque é óbvio que você deu brecha sim! E é mais óbvio Ainda o que ela quer de você! Mas isso eu não vou aceitar! Sedãzinho se sentir no direito de vir aqui, na minha casa, e se jogar pra cima da minha mulher daquele jeito? Feito a vadia que ela é! Não, Ariana! Comigo não!"
Ariana engoliu aquelas palavras, mas elas deitaram um nó amargo em sua garganta. Tentou controlar a voz antes detalhar "Você tá pegando um problema de confiança seu e jogando nas minhas costas, é isso mesmo?"
"Confessa, Ariana", desligou da pergunta dela, apontando-lhe um dedo, "Admite que você gosta do joguinho dela! Que deu liberdade para ela fazer o que ela fez hoje!"
Cansada de ser saco de pancada e já entendendo onde a outra mulher queria chegar com essa conversa, Ariana ironizou "Quer saber? Dei mesmo! Aliás, a uma mulher como a Dua, quem não daria?"
Camila soltou uma risada incrédula, sentindo o sangue lhe subir à cabeça, "Meu deus eu não acredito que estou ouvindo isso..."
"Agora quanto ao seu direito de me cobrar satisfações, Camila Cabello?" Percebeu o veneno como Ariana pronunciou seu nome "Ah, esse você perdeu faz muito tempo! Dezenove meses atras pra ser mais exata".
Estava feito.
O silêncio ensurdecedor que seguiu o eco das palavras de Ariana foi o golpe que não tivera a coragem nem a força para dar. E mesmo antes, muito antes daquelas palavras deixarem a boca fa fotografa, Camila já sentia o impacto mortal que teriam. Já estava sangrando por dentro desde aquela amanhã que havia acordado com o peso do braço de Lauren sobre seu peito...
Mas a dor de ouvir essas palavras da boca de Ariana. Não, não servia de conforto o fato de não ter sido ela mesma a dar o golpe. Não lhe deu alívio ou satisfação alguma ver, presenciar, finalmente a redoma de Ariana Grande se partindo em milhares de cacos diante de seus olhos... porque dentro do seu peito, sentia como se alguma coisa estivesse sendo esmagada, destroçada, estilhaçada pelo olhar que Ariana lhe lançava agora.
Decepção.
Sua própria redoma, seu coração, se quebrava ali diante dos olhos úmidos de Ariana. Se quebrou inúmeras outras vezes, muito, muito antes de entregar naquele quarto e todas as vezes que entrará nele. Todos os dias desde então...
É claro que Ariana sabia. Como não? Se era dela e somente dela o toque capaz de desvendar seus segredos mais profundos, seus desejos mais sujos, sem nunca recrimina-lá, e sempre tão intensamente como quando a desnudava de suas roupas antes de uma noite de paixão.
"Ariana..." começou, mas ela balançou a cabeça. Agora era a sua vez de ouvir.
"E sabe que eu não precisei ver? Ninguém teve que me contar..." seu tom de voz descompassado é derrotado era o pior de tudo.
Se tivesse lhe dado uma bofetada, gritado, xingado, teria doido menos. Muito menos.
"Eu senti Camila. Senti o cheiro dela na sua pele.
"Você não sabe de nada, Ariana! Me deixa explicar"
Não conseguia mais ficar ali, não conseguia olhar pra Camila naquele momento.
Não havia mais nada a ser dito.
Depois de se trocar, Ariana pegou suas chaves de cima da cômoda e já estava com a mão na maçaneta quando parou, sem olhar pra trás, "Sabe o que é mais engraçado? Uma coisa que a Miley sempre dizia..."
Ao ouvir as palavras secas de Ariana, Camila levantou a cabeça e esfregou as mãos no rosto para enxugar as lágrimas que já não eram cativava do orgulho. Seu queixo tremia com a força das palavras presas em sua garganta, palavras que tanto queria dizer, mas não sabia como.
"Talvez..." viu Ariana baixar a cabeça um momento, sua voz também tremia com o esforço que fazia para não chorar, "talvez eu seja mesmo essa pessoa volúvel que ela fala, incapaz de oferecer segurança a alguém, de dar o amor que... que você precisa."
"Não é verdade. Você..." mas Ariana já havia fechado a porta. O eco vazio de suas palavras era sua única companhia agora, "... você é o amor que eu preciso, Ariana. Você precisa confiar em mim".