Paraíso

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- Dois meses antes –

Jogou suas chaves e a jaqueta molhada de centro, chutando os sapatos para longe no entremeio, aí sentiu aquele arrepio percorrer seu corpo quando se atirou na poltrona larga da sala.

Encolheu-se ali num canto, tentando se proteger entre as almofadas. Havia esquecido de como as chuvas de verão podiam ser frias também. Tinha saído cedo para levar Enzo para passar o fim de semana com Lauren. Ligou para Ariana umas quatro vezes ou mais avisando que se atrasaria, mas o telefone dela só dava fora de área ou desligado.

Suspirou tremulamente, agarrando-se a almofada que pressionava contra o peito, recostando o queixo no veludo escuro. Fechou os olhos com força, sentia os dentes baterem, não queria pensar no frio.

Não nesse que sentia por dentro...

Porque Ariana não havia atendido? Será que... Não... era só um jantar de negócios e outras pessoas estariam presentes também.

E talvez a tal reunião nem tivesse acabado ainda, talvez o sinal estivesse ruim  por causa da tormenta no tempo.

Talvez, talvez, talvez...

Ariana não costumava esticar a noite quando saia com Dua – para a eterna frustração da inglesa – mas já era quase meia noite e pelo visto ela ainda não havia retornado já que a casa estava tão silenciosa, as luzes todas apagadas.

Não conseguia parar de pensar naquela mulher a sós com Ariana. Não conseguia afugentar de sua cabeça a imagem daqueles dedos longos e delicados passeando pelo corpo de Ari, agarrando-lhe os cabelos, apertando seus seios redondos, arranhando suas costas nuas...

"Ariana...", acordou com um sobressalto, a cabeça ainda girando com os flashes de corpos e intimidades proibidas. Aquele sonho outra vez...

De repente um ruído, os olhos estreitaram na meia luz, um vulto se movia próximo a estante.

Exalou seu alívio quando reconheceu aquela silhueta. Então se sentou ainda meio zonza, os cotovelos apoiados nos joelhos, mãos esfregando o sono do rosto. Fitou o relógio no pulso, já passavam das três da madrugada.

Camila suspirou outra vez, o rosto agora voltado pra figura que se movia com a sutileza de um felino pela sala, "Faz tempo que chegou?".

"Não muito, mas o suficiente pra perceber que o sonho devia ser bastante... hm, estimulante?"

Soltou um riso curto, nervoso, mais em resignação do que por qualquer outro anseio, "É, talvez...", murmurou ao vê-la parar pela estante, os dedos deslizando devagar pelos volumes ali até que repousaram sobre a lombada de uma antiga edição encouraçada.

Agora que seus olhos haviam se ajustado a pouca luz no ambiente, Camila podia distinguir os cabelos trançados para um lado do pescoço elegante, a cintura marcada pelo aveludado rubro quase preto do vestido longo que usava, um relance de pernas esculpidas que se insinuavam entre as fendas laterais escandalosas, os saltos um atentado a boa postura...

Ainda assim, os pés pareciam não tocar o tapete da sala, flutuavam fáceis e sedutores como se fosse uma aparição angelical. Ou demoníaca...

Sim, era um demônio aquela mulher. O mais puro, doce e indevassável deles.

Do seu lugar na poltrona, Camila assistia os passos dela a levarem até a mesa na antessala do estúdio, o calmo folheado do livro nas mãos ritmado pelo chiado da chuva nas vidraças das janelas.

Parando por ali, ela se virou, recostando o quadril na lateral do móvel, uma das mãos alcançando os óculos que repousavam sobre superfície envernizada do seu lado, ajustando-os no rosto em seguida, e então...

PerchanceWhere stories live. Discover now