Perchance

Espera

Acenou com a cabeça devagar, ainda atordoada. Foi a única reação que conseguiu ter ao ver Lauren ali, parada diante dela, olhando-a daquele jeito.
A expressão no rosto dela era uma que Camila reconhecia muito bem, era aquela estranha mistura de cautela e euforia que a acometia sempre que se viam. Mas havia algo novo em seu olhar agora, sinais silenciosos que Camila temia, não queria decifrar. Porque Lauren não as visitava, nunca. Nem quando Enzo estava. E quando vinha trazer o filho se limitava a deixá-lo na guarita e dali mesmo se despediam. Para ela ter vindo até a casa delas e esperado para ser atendida, alguma coisa muito, muito fora do comum devia estar acontecendo.
"Cadê o Enzo?" Foi o primeiro pensamento que lhe veio a cabeça.
Quando a ex-mulher não a respondeu e o silêncio se prolongou entre eles, sentiu o frio no estômago aumentar inconfortavelmente.
Percebendo a ansiedade crescente da mulher, Lauren desviou o olhar por um instante antes de falar evasivamente, "Na casa da sua mãe. Não se preocupe, ele está bem."
O rosto de Camila visivelmente relaxou, ainda que só por um momento.
"Entra", murmurou e deu um passo para o lado, segurando a porta aberta.
Sentia-se desconfortável em sua própria pele quando passou pela soleira daquela porta. Foi entrando é esse desconforto se tornou ainda mais infectante, era quase como se o pudesse respirar no ar. Lembrou-se da última das poucas vezes em que esteve nesse lugar, anos atras, frente a frente com a dona desta... aparência de lar. Para Lauren, tudo ali era inexplorado, e por isso mesmo muito perigoso. Seus olhos iam fitando os cantos mais sombreados do ambiente como se esperasse ser atacada a cada momento. Pelo que? Até aquele momento não sabia ao certo, e talvez nunca soubesse. Sentia-se assim e ponto.
Camila encostou a porta, mas não a fechou completamente, então respirou fundo antes de virar. Mais que isso não se atrevia a fazer por enquanto.
E, qualquer coisa a saída estaria destravada.
De sua distância segura do lado da porta, ela observava a ex-mulher caminhar como quem pisa em gelo fino, ou em brasas, as mãos enfiadas nos bolsos do macaquinho, os ombros tensos. Era estranho, muito estranho vê-la assim tão perto das coisas de Ariana, olhando para os objetos dela como se quisesse fazê-los dela.
"Liguei varias vezes... porque não me atendeu?" Disse ao virar para encara-lá, a voz estranhamente calma. Seu olhar agora transpirava certa arrogância típica.
"Primeiro, não estou gostando desse seu tom" Camila deu um passo pequeno à frente, cruzando os braços antes de concluir secamente " E segundo, ficamos combinadas de você trazer o Enzo hoje, lembra?"
Lauren soltou um riso curto e maneou a cabeça, "tanto faz, não foi pra isso que vim mesmo".
Os olhos de Camila se estreitaram por um segundo, todo esse ar de superioridade da ex-mulher intrigando mais do que incomodando agora.
"O que você quer Lauren?"
"Quero saber quando você vai parar de fingir que isso aqui" abriu os braços para demonstrar seu ponto de vista "é natural. Quando você vai cair em si e perceber que esse não é o ambiente ideal para o nosso filho crescer"
Lá estava ela, a 'velha e boa Lauren'
Camila gargalhou alto, espalmando uma mão no rosto e balançando acabava para as palavras da ex-mulher. Algumas coisas, definitivamente nunca mudariam.
"Meu Deus, você é inacreditável sabia? Em que mundo você vive?
"Não nesse seu mundinho com certeza!"
"Escuta aqui, Lauren Michele!" Já estava cara a cara com a ex-mulher e com um dedo levantado pro seu rosto, que agora exibia um sorrisinho enervante no canto dos lábios. "Pela última vez: essa é a minha vida! Ariana é a minha vida! E eu não vou admitir que você-" suas próximas palavras foram engolidas pela boca voraz que pressionava contra a sua, enquanto mãos e braços mais fortes que os seus lhe agarravam pelos ombros e cintura.
Camila se debatia nos braços dela, mas a ex mulher não lhe dava muito espaço, pressionando-se contra ela avidamente. Somente quando passou a golpeá-la no peito com os punhos cerrados ela a soltou, ofegante e ainda sorrindo com aquele ar de satisfação insuportável.
"QUE ISSO?! HIJA DE LA GRAN PUTA! TA LOUCA?!" gritou indignada e logo esfregou as costas da mão direita contra os próprios lábios. Sentia seu estômago revirar.
"Acho que cheguei na hora errada? Uma voz grave e aveludada soou pela sala.
Alarmada, Camila virou de uma vez e deparou-se com a dona daquele sotaque mais insuportável adentrando em sua casa sem maiores cerimônias.
A inglesa se aproximou devagar, todo o tempo a olhando com aquele sorrisinho irônico que falava volumes, e então se dirigiu a terceira pessoa da sala.
"E você, quem é?" a olhou de cima a baixo, um brilho predatório nos seus olhos negros.
Podia piorar?
Lauren abriu seu melhor sorriso, devolvendo o ar lascivo da inglesa "Eu que pergunto..."
Dua sorriu.
Depois disso, Camila achava que não podia piorar.
Até que o telefone que mal usavam tocou.
-x-
"Miley!" Praticamente gritou o nome da namorada, assustando-a.
Já havia perdido a conta de quantas vezes a chamará nos últimos cinco minutos. Miley não moverá um cílio sequer em nenhuma de suas tentativas desde que retornaram para o carro quinze minutos atras. Quando Stella assumiu o volante e tomaram a rota do hospital indicado por uma das paramédicas que atendiam a ocorrência na rodovia.
Não poderia julga-la.
Se a imagem horrível de Ariana sendo carregada naquela maca às pressas para dentro da ambulância, as portas brancas se fechando sem mais um segundo de explicação, não lhe saia da cabeça por um instante, Stella só podia imaginar o que se passava na mente da namorada nesse momento. Miley era, se não a única, uma das pessoas mais próximas a Ari. Pensando bem, talvez ela tenha sido mesmo a única família de Ariana.
Mesmo quando a viu saltar do carro daquele jeito, correndo para o meio daquela rodovia tomada pelo caos de sirenes, Stella sentiu como se seu coração fosse parar de bater ali mesmo.
Policiais tiveram que conter Miley para que não atravessa-se as faixas de isolamento porque seus braços mal conseguiam segura-lá enquanto ela a agarrava pela cintura.
"A gente tem que avisar a Camila" disse aos olhos alternando entre a namorada e a estrada.
Miley fungou baixinho, seu olhar então voltou a se fixar no vidro fosco da janela.
"Minha bateria acabou" murmurou para o vidro.
"Pega o meu, tá no porta luvas"
Só então depois de um suspiro exasperado, a loira abriu o compartimento e alcançou o aparelho.
"Como eu vou dar uma notícia dessas por telefone Stella?" Disse com uma exalação.
"Pior se eles ficarem sabendo pela mídia" replicou.
Tinha que concordar dessa vez. Com outro suspiro pesado realizou a chamada.
Esperou. Esperou. Esperou.
"O da Camila só da caixa postal"
"Tenta o fixo"
"Ninguém usa aquele telefone"
"Liga logo Miley!" Vociferou.
Novamente, discou e esperou. Um, dois, três, no quarto toque prendeu a respiração.
"Camila? Err, tá... sozinha?"
"Miley? Oi! Ah, eu... onde você tá? Ta com a Ari? Uma pausa "se estiver fala pra ela que eu tentei ligar- não não, passa o telefone pra ela por favor?"
Estranhou a agitação na voz da outra mulher. Por um dois segundos tensos pensou que talvez Camila já estivesse sabendo do ocorrido, mas não da sua possível gravidade.
"Eu... não. Não estou. Eu, hum... Stella tá aqui comigo, a gente tá..." sua voz engasgou ali, sumiu.
Deus, como iria falar isso por telefone?
"Miley?"
Respirou fundo e fechou os olhos com força antes que as lágrimas pudessem escapar. Não adiantou.
"É sobre a Ariana..."
"O que tem ela? Onde a Ariana está?"
Miley só encontrou forças para confinara falando quando olhou nos olhos úmidos que a fitaram naquele instante.
"Aconteceu um... acidente. Estamos a caminho do hospital e... mas olha, não se preocupa" acrescentou rápido e fungou, forçando um riso que não soou genuíno, "ainda não da pra dizer como ela está, mas a paramédica confirmou que ela estava consciente na ambulância... ela vai ficar bem..." já não conseguia mais conter o choro, sua mão tremia segurando o aparelho contra o ouvido.
"Mila? Camila... tá me ouvindo?"
Do outro lado da linha só havia silêncio.