Com um longo bocejo, ela coçou os grandes olhos escuros que ainda estavam fechados pelo sono. Sua cama estava tão quentinha e gostosa, que quase a fazia desistir de levantar. Porém escutava o som da TV ligada na sala bem baixinho e sabia que isso significava que ele estava acordado.
Não sabia que horas eram e no fundo nem se importava, mas sabia que o sol ainda estava dormindo mesmo já sendo de manhã. Com um suspiro, usou as gordas mãozinhas para se levantar e tocou os pequenos pés pálidos no chão macio de carpete. Com certa dificuldade pelo corpinho curto, ela pegou o travesseiro e o abraçou de encontro ao busto como se fosse um bichinho de pelúcia. Fazia frio, que bom que estava com o seu pijama quentinho de ursinho.
Andou devagar e obstinada em direção ao som e sentou no sofá ao do lado do homem. Ele era grande e bem branco, com uma vasta cabeleira preta cortada curta, grandes olhos escuros encimados por grossas sobrancelhas. Usava um óculos redondo de grau e tinha o nariz adunco. A barriga dele era que nem a sua, bem redondinha e acentuada porém ele era cheio de pelos e ela não. Diziam que eles eram iguais o que sempre a fazia franzir o narizinho redondo e reclamar com a sua vozinha estridente "Não sou não! Eu sou igual a minha mãe!". Ele abriu um sorriso carinhoso quando a viu.
"Te acordei?", perguntou ele. A menina fez que não com a cabeça. Estava com sono demais pra falar.
Colocou o travesseiro no encosto do sofá, mas a cabeça ela deitou no braço dele. O homem a abraçou e começou a lhe fazer carinho na cabeça. Na TV, um cara de cabelo ralo e óculos falava incessantemente com cara de sério segurando um microfone na mão. Que chato, pensou. Mas estava tão gostoso ali com ele que não se importava de ficar com aquele cara falando um monte de coisa desinteressante.
Pouco tempo depois, ele pegou o controle da TV e colocou no Cartoon Network. Estava passando um filme com um cara muito grande e peludo que cuidava de forma atrapalhada de um garotinho bem pequenininho de cabelos escuros como ela. O homem lhe deu um beijo carinhoso na cabeça e levantou, como sempre fazia quando mudava de canal para ela. A menina repousou a cabeça no travesseiro e deitou de comprido no sofá. As longas pestanas piscavam incessantemente enquanto ela tentava se manter acordada vendo o desenho. Ele havia ido lá dentro.
Quando ele voltou, estava segurando cobertor que a menina usava para se cobrir nos dias frios e o colocou em cima dela para aquecê-la. Ela sorriu sonolenta e colocou o dedão na boca. Ele lhe deu um beijo na testa.
"Agora o papai vai trabalhar, ta?", falou bagunçando delicadamente a franja dela que por sua vez fez que sim com a cabeça. "Te amo.", ele completou.
"Também te amo, papai.", ela disse e fechou os olhos. Em pouco tempo já estava dormindo de novo.
Ninguém a fazia se sentir tão segura quanto ele e ninguém nunca seria tão importante quanto ele. A sensação de casa, aconchego e proteção nunca seriam as mesmas sem ele e ela sabia que era a menininha mais sortuda do mundo.
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Rastros Do Cotidiano
Short StoryCrônicas sobre a vida de uma jovem adulta com problemas de primeiro mundo.