Vazio

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      As sensações que ela sentia nem de longe se comparavam com a intensidade que costumava ser, o que antes a embriagava agora era no máximo gostosinho. Mas a menina era teimosa e insistia mesmo assim. "Não tenho nada pra fazer mesmo", respondia rindo para as amigas quando questionada do por que continuava vendo ele. Agora desejava ter desistido enquanto ainda era tempo.

      Estar naquele quarto era desconfortável. A cama era estreita e feminina, a dona não estava lá. Na verdade, provavelmente a mulher que dormia nela não ficaria nada feliz se soubesse o que estava acontecendo ali. O quarto era pequeno com as paredes pintadas de rosa com um lado dominado por um guarda roupa, de frente para a cama tinha uma TV que estava ligada num filme aleatório para abafar os sons que os dois faziam.

      "ARRRRRRRGH", fez o Hulk na TV. Eles riram e ignoraram.

     O som da televisão a estava incomodando. Na verdade, tudo naquele quarto a estava incomodando. Por que havia aceitado ir pra lá mesmo?, não conseguia mais se lembrar.

      Foi então que sentiu uma dor suave. Seus olhos, antes suavemente fechados, se arregalaram no susto. Suas mãos, antes ternas e convidativas, se espalmaram no peito dele num empurrão sem força. A boca, antes ocupada por beijos, agora sibilava "nãos" fracos e assustados.

      Porém ele a ignorou. Com a boca, ele a calou. Com o peito, ele se forçou mais. Os olhos ele apenas fingiu que não viu.

      No entanto ela não parou de tentar empurrá-lo, o corpo permanecia tenso. Tentava fugir os lábios dos dele enquanto continuava a tentar fazer força para que ele saísse de cima dela. Sua cabeça estava a milhão, enquanto a dor piorava e ele se empunha mais. Só murmurava que não, ou será que só estava pensando? Já não sabia mais.

      "Ta tudo bem", ele murmurava repetidas vezes no ouvido dela numa tentativa de fazê-la parar de tentar resistir.

      A dor só piorava conforme ele se impunha mais e mais contra ela. Se antes a menina não tinha forças, agora já estava quase desistindo. Ele não ia parar.

      Então uma onda de alívio a dominou quando ele se ergueu e ficou ajoelhado na cama, mal ela suspirou aliviada quando viu que ele só estava cuspindo na própria mão para tentar forçar mais uma vez. A única coisa que ela conseguia pensar era em como não queria aquilo. Não naquela hora. Não daquele jeito. Só não.

      Ele não ia desistir de tentar, então quem o fez foi ela. Com os olhos cravados naquele armário branco, ela se sentiu perder. A dor que sentia se misturava ao sentimento de vazio que a estava invadindo e a única coisa que conseguia fazer era torcer para que aquilo acabasse logo.

      Ouviu ao longe ele reclamar da cara dela de dor e teve vontade de dar uma risada irônica. "Eu não estaria com essa cara se estivesse afim", teve vontade de dizer, mas estava perdida demais para isso. Não aguentava mais a sensação do cuspe na própria pele. Só queria ir embora.

      Depois do que pareceu uma eternidade ele parou de tentar, para a sorte dela simplesmente não ia, e deitou a aninhando em seu peito. A menina não resistiu novamente, como se fosse uma boneca de pano e ficou deitada ali com a cabeça pousada nele. Seu cenho estava levemente franzido e os lábios fortemente cerrados. Estava com raiva da situação, com raiva de si. Ela realmente só queria ir embora. Precisava tomar banho, não aguentava mais sentir a pele gelada e úmida por causa da saliva dele. Queria sua casa, sua cama. Queria seu espaço de volta.

      "Eu não consigo com a sua cara de dor", ele disse em tom de desculpa.

      "E eu não consigo fingir que não tô sentindo dor", ela respondeu ríspida.

      "Talvez se você relaxasse um pouco sentisse menos", ele sugeriu meio sem jeito.

      "Eu não queria nada disso, então jamais relaxaria. Eu disse que não queria, mas você me ignorou e continuou tentando.", a voz quase falhou. Agora visivelmente irritada, só não sabia se era mais com ele pelo que aconteceu ou consigo por ter deixado acontecer.

      "Me desculpa...", ele pareceu sem graça.

       "Tudo bem", ela respondeu com um suspiro cansado.

       Mas isso não era verdade. Nunca estaria tudo bem. 

Rastros Do CotidianoOnde histórias criam vida. Descubra agora