Ela caminhava lentamente na areia. Exausta de um longo dia de trabalho, não sabia porque resolvera ir para casa a pé, afinal morava do outro lado da cidade. Mas precisava pensar. Precisava muito.
Observava os dedos dos pés se enterrarem lentamente na areia úmida e uma pegada se formando, apagada pela água gelada que ia e vinha num balanço sem fim. Quando criança, adorava ficar parada com os pés enterrados na areia enquanto as marolas se aproximavam com tudo e a deixavam, assim, em pé sob montículos. Achava que se usasse mais força ou colocasse os pés mais fundo iria conseguir segurar toda a areia. Mas não conseguia.
O cenho franzido entregava a preocupação e o doce ruído do mar a acalmava um pouco ao lhe encher os ouvidos. A mochila pesada não era a única coisa que ela carregava por sobre os ombros.
Namorava com ele há tanto tempo e já fazia uns meses que não tinha mais certeza se estava feliz com essa situação. Não que algo de muito ruim tivesse acontecido e mudado tudo. Na verdade, absolutamente nada de diferente havia ocorrido. Mas algo dentro dela mudara.
O que antes era adorável nele, agora estava começando a se tornar irritante. O sorriso dele já não lhe causava nada, o seu toque nunca fora muito especial – mas até então o de ninguém havia sido -. Agora ao pensar nele vinha apenas as brigas, as vezes que saiu com os amigos dele e se sentiu deslocada, as amizades dele que ela não suportava, mas não podia fazer nada além de aceitar.
Mas ele tinha muitas qualidades, não tinha? Ele era legal, era inteligente, engraçado, a respeitava. Pelo menos na maioria das vezes. Será que essa angústia não era só uma fase? Será que se arrependeria se terminasse tudo? Será que no fundo ela realmente o amava e só estava se sabotando? Será... Será... Será.
A cada passo, mais forte os pensamentos ficavam. Forçou-se a pensar nos bons momentos. Nas risadas, nos carinhos, nas primeiras vezes, nos segredos compartilhados, na confiança adquirida, na amizade criada. Isso tinha que ser amor. Não podia ser outra coisa. Ela não aceitava.
Com um longo suspiro ela parou. Olhou para o céu. Segurou as bochechas como se seu rosto fosse desabar a qualquer momento. Fechou os olhos e suspirou de novo. Era amor sim.
Então voltou a caminhar.
Dali a umas semanas ele terminaria, finalmente, esse relacionamento.
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Rastros Do Cotidiano
Historia CortaCrônicas sobre a vida de uma jovem adulta com problemas de primeiro mundo.