Ana

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Helena estava há meia hora no quarto da filha; observava os pôsteres coloridos nas paredes, o guarda-roupa cheio de adesivos, as cortinas de Cupcake, a cama perfeitamente arrumada, a mesa de estudos organizada e um mural com fotos, bilhetes e um mapa cheio de tachinhas. Essa é minha filha, ela passou a mão pelos pôsteres com piadas, tudo isso representa ela. Cada detalhe mostra o quão incrível e sonhadora ela era. O que mudou, então?

A verdade era que aquela era a segunda vez que ela ficava no quarto de Ana, sua filha, observando cada detalhe, cada coisa. Ela só queria descobrir um motivo; mas quanto mais olhava, mais perdida se sentia. Tudo parecia indicar que a menina estava bem.

Cansada, Helena se sentou na ponta da cama, de frente para a mesa de estudo. Observou o mural com mais atenção e sorriu levemente ao ver o mapa dos lugares que Ana queria conhecer. Ela tinha tantos planos. Desceu o olhar para a própria mesa, mais especificamente, para a mini coleção de clássicos da literatura da filha. Olhou com mais atenção e percebeu uma lombada diferente das outras. Curiosa, pegou o livro e percebeu que não tinha título. Ao abrir a primeira página, constatou que se tratava de um diário.

Helena não tinha intenção alguma de invadir a privacidade da filha, já ia até devolver o diário para seu devido lugar, quando algo lhe chamou a atenção. Uma folha brilhante estava se destacando, com a borda branca ameaçando sair de dentro do diário; ela tinha uma ligeira impressão que já a havia visto antes. Sem conter a curiosidade, abriu o diário na página que a folha saia e, no mesmo instante, sentiu seu coração apertar e os olhos marejarem.

O causador de tal reação era uma foto muito, muito especial; a imagem era uma impressão de felicidade, palpável e brilhante. Nela se encontrava uma Helena oito anos mais jovem, segurando um pequeno embrulho azul, o qual era objeto de admiração de uma radiante menininha loira. Helena reconheceu rapidamente; aquela foto fora tirada no dia do nascimento de Denis, quando Ana foi conhecer seu irmãozinho. Se fechasse os olhos, a mulher podia se lembrar de cada detalhe desse dia; do sorriso da sua filha ao ver o irmão, o sentimento maternal a preenchendo por completo e a paz infinita que sentia estando ali. Mas a dor vinha quando abria os olhos e a realidade a esmagava sem piedade.

Não fique se torturando ainda mais, ela pensou.

Querendo saber o motivo de aquela foto estar ali, pôs de lado a culpa por ler o diário da filha e passou sua atenção para a caligrafia desajeitada da mesma.

13 de outubro de 2016.

Querido diário,

Você deve saber que dia é hoje.

A mãe olhou a data com mais atenção e sentiu seu coração pesar ainda mais. Era aquela data.

Sim, hoje é meu aniversário (14 anos, para ser mais exata). Deve estar pensando "Nossa, que legal! Você deve estar muito animada então."; Está certo, eu deveria estar feliz. Para sua informação, até acordei com um fino traço de esperança; hoje podia ser diferente. Eu poderia acordar bem, descer para a sala, dá bom dia para minha família e ser recepcionada por um café da manhã de aniversário. Poderia passar o resto do dia com um sorriso estampado no rosto e no fim cantar parabéns com um bolo de chocolate delicioso (daqueles que só minha mãe sabe fazer). Mas tudo isso não passa de uma ilusão; não vai ter café de aniversário, o sorriso não vai conseguir se sustentar no meu rosto e não vou cantar parabéns com o bolo de chocolate da minha mãe. Não vai ter nada disso por uma única razão: hoje também é o dia dele.

Helena parou a leitura; era uma tortura para ela continuar. Seu coração era esmagado por cada palavra, causando uma dor excruciante. E ela só conseguia pensar que não era justo; Ana não podia ter feito isso com ela. Isso não deveria ser feito com nenhuma mãe. Mas por quê? Por que ela fez isso então?

Ainda há esperança para as floresOnde histórias criam vida. Descubra agora