Nirvana ➳ Kurt Cobain

carta aos mortos

Para meu grande amigo. Aquele que nunca vi pessoalmente, nunca toquei, nem sequer conversei...

A primeira vez que dei à luz aos meus pensamentos, a minha alma se libertou; escrever essa carta, foi uma caminhada incerta no escuro, da qual, me joguei por inteira. Encontrar a paz e satisfação em poesias e música, fez com que as perspectivas da minha vida se alterassem drasticamente, e você me ajudou nessa descoberta.

Não lembro-me bem da data em que conheci Kurt Cobain, mas sei que no segundo que fiz, me vi abraçada: abraçada pelas causas que me eram rejeitadas, abraçada pelo lado melódico da vida e, estranhamente, o melódico da perda. 

No budismo, atingir o Nirvana significa: "O nirvana é um estado de paz e tranqüilidade alcançado através da sabedoria", e muito disso, refletiu-se numa das fases mais complexas e dolorosas da minha vida. A complexidade de lidar com a morte sempre me perseguiu num dilema castigante, onde a encarava como um monstro podre, ou até mesmo um alívio espiritual. Raramente, até um fator de equilíbrio que necessitamos.  

São incontáveis, as vezes que me refugiei no conforto de ter o Nirvana, ao pé de meus ouvidos. Bastava apenas um toque sobre a tela fria do celular, e a madrugada se passava menos tormentosa. Recordo-me com detalhes, os momentos especiais em que o dividi com uma pessoa incrível: sábado a noite, sentávamos na sala e colocávamos MTV Unplugged no DVD, - um dos discos que ele mesmo havia me dado, - Kurt fazia sua apresentação pela televisão, e íamos conversando, arrumando a mesa de centro para uma boa jogatina de xadrez. 

Ele apanhava sua cerveja e seu cigarro, falando sempre o mesmo e hilário comentário sobre o Kurt estar com os cabelos oleosos. Eram momentos simples, que me faziam perceber que as coisas mais valiosas, não podiam ser compradas. Tais momentos, vinculados a cada música que coloco para tocar, ou quando vejo alguma coisa relacionada a banda. 

De certa forma, o sentimentalismo e as lembranças enriqueceram o significado de cada composição, cada verso, cada foto que associo a esse tempo de minha vida.

Nós fazemos essas memórias para nós mesmos.

Com o passar dos anos, comecei a apreciar a ideia de dar razão as circunstâncias, desvendar a real importância entre o suspiro do nascimento e o exício, por mínimas que elas fossem; Rabisquei minha agenda do início ao fim, escrevendo cartas àqueles que se foram, e conversando com eles através de diálogos que rimam. Pois bem, Kurt Cobain, essa é a sua. 

Hoje choveu o dia inteiro, porém, só pude presenciar a garoa do amanhecer, aliás, adormeci durante a tarde e acordei quando o relógio gasto da parede, veio a despencar: o tempo caiu e se despedaçou, como se não lhe restasse mais a esperar. E não restava. 

Estar longe do raso, foi o que te tornou um gênio. Mas, ao mesmo tempo, foi o que causou seu afogamento. Devolva o olhar de insatisfação ao mundo, conte as poucas moedas em seus jeans velhos e vá, pois o tempo se partiu e a música se imortalizou. 

O chá esfriou, e não conseguimos acompanhar. O filtro de seu Rothmans foi corroído pelo fogo, ainda em posição no cinzeiro de pedra. A conclusão e o chamado: está na hora de ir.

Devaneando; os nervos estão apagados e o coração bate devagar. Todas as linhas foram preenchidas, e a ventania as levou. A mancha avermelhada em seu braço vai se desbotando, e a frieza do inverno acolhe seu corpo: você não pôde vivenciar as outras estações, porque se prendeu ao passado, e ele era um conforto gélido, inalcançável. 

Se lembre, Kurt: arrume a postura e escove os dentes. Está na hora de ir descansar.

E quando tudo isso passar, fecharei os olhos e te encontrarei lá, meu caro amigo.

Imortal em seus versos, imortal em nossas almas... Para sempre, meu amigo Kurt Cobain.

— Sua melhor amiga por correspondência.