Para quem precisa de algum lugar seguro para chorar em uma cidade estranha, qualquer lugar serve. Por isto, assim que saiu correndo da Academia, ela se enfiou atrás da barraca de um artesão de toalhas amareladas e chorou.
Não estava essencialmente triste, apenas decepcionada. E isto sempre fora suficiente para que as emoções transbordassem. Não conseguia se lembrar de como havia ocorrido; sabia que seu pai explicara de modo simplista o desejo que ela tinha de ir para a Academia, lembrava-se das fisionomias assustadoras de ferro do Diretor e a mulher atrás de sua cadeira, provavelmente sua esposa, cruel igual a ele.
- Os estudos não são cobrados, mas com os tempos difíceis da guerra, muitos recursos não nos são repassado, e por isso estamos com faltas em materiais, o que exigimos que os alunos comprem por si mesmos. - ele falava rápido, com um sotaque complicado e palavras complexas que nem mesmo Agathe conhecia.
O Diretor começou a citar os nomes dos materiais que ela precisaria na Academia. Tantos nomes que ela e o pai não conheciam, tanta presunção do homem e da mulher, com sua pose mesquinha, que então ela se irritou e saiu correndo. Quase correu para uma porta fechada, mas por sorte alguém a abriu por fora.
- Agathe! - ouviu seu pai chamá-la dos muros da Academia. - Filha?
Deixou o esconderijo e jogou-se nos braços dele. Ainda era o lugar mais seguro do mundo.
Ele a levou até um banco na praça em frente a Academia e deixou que chorasse suas frustrações. Também não imaginava precisar pagar por uma "entrevista" com o tal Diretor, e sair atrás da menina sem ter pagado lhe pareceu muito errado. Deveria voltar lá e pagar.
Mas a verdade é que não tinham dinheiro para uma segunda estadia no Noite Tranquila, nem ele queria perder outro dia de trabalho na Vila. Avitosh agora parecia um sonho distante. E mais distante ainda era Saelen.
- Mentirosos! Disseram que era do governo! Que era para todos! - rugia a menina ruiva, seu punho erguido para o ar como uma revolucionária, embora fosse apenas uma criança.
O velho não se surpreendeu. O governo sempre lhe provocara o mesmo sentimento, mas com o tempo aprendera que erguer o punho deixava uma das mãos inútil, e se uma delas ficava inútil, o rendimento do trabalho era menor e isso significava menos colheita para a Vila. Sua filha agora precisava aprender como o sistema ao seu redor funcionava, e ele permitiria que se revoltasse, desde que ela, por fim, segurasse sua mão e juntos retornassem a Avitosh.
Soltou um dos braços da filha e olhou em direção a escola, esperando que a qualquer momento alguém sairia para cobrar-lhe a entrevista.
- Garotinha - uma doce voz cantarolou ao lado deles, o que fez Agathe enxugar rapidamente as lágrimas, pois não demonstraria fraqueza na frente de ninguém. - Você quer um sorriso?
Ela queria, mas os lábios não correspondiam. E a tentativa fracassou. A moça por sua vez abriu um sorriso primaveril e jogou seus longos cabelos louros por cima do ombro branco como leite. Agathe imaginou de onde deveria ser aquela mulher, muito provavelmente do extremo Sul do mundo, onde todos nasciam sem cor.
- Você não tem um sorriso, mas eu tenho - o comentário soou maldoso aos ouvidos de Agatherine, e ela se ergueu para refutar a frase, mas se calou quando das mãos delicadas da jovem, uma pequena embalagem surgiu. - Minha mãe é a melhor confeiteira da cidade.
Um sorriso. Agathe encontrou dentro de si o seu próprio sorriso e o abriu a loura, pegando o presente com fascinação e êxtase. Nunca havia provado um sorriso antes e já sentia o sentido do nome reverberando em seu paladar. Abriu-o e comeu-o de uma bocada só, sentindo a massa folhada desintegrando-se no céu da boca e o chocolate branco se derretendo na língua. Era delicioso!
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Línguas de Fogo - Crônicas de Éter
AdventureDe muitas formas uma guerra pode começar. Seja por inveja, por ambição, por vingança ou orgulho. A guerra nasce quando é cultivada no coração dos homens. Mas o seu fim é somente um: a dor. #20 em Aventura - 30/09/2017 #39 em Aventura - 26/09...