Capítulo 5 - Maquinações Sobre Ir (Em revisão)

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Fazia muito frio dentro da sala de Quimía do período noturno. As aulas estenderam-se tanto que Mestre Felon bocejava em sua mesa, avaliando os projetos terminados com três meses de antecedência. Projetos não eram obras-primas, e para os aprendizes de Quimía, somente obras-primas seriam aceitar pelo mestre. Mya o conhecia desde sempre e sabia exatamente o que ele queria de um aprendiz em seu projeto. A maioria naquela sala não estava nem mesmo perto, como ela não estivera por quase dez anos de sua vida.

Não que fossem muitos anos ao total, ela possuía apenas quinze, mas ainda sentia-se um pouco incompetente. Muitos daqueles aprendizes jovens e inexperientes completariam sua graduação em cinco ou seis anos. E ela crescera dentro da sala de Felon, sabia décor todos os elementos essenciais da matéria concreta e poderia enumerar mais uma lista quase interminável de reações e ligações de matéria. E isso antes dos dez! Ainda não entendia como levara doze anos no total para se tornar sênior. Talvez Felon a tratasse com mais rigorosidade que os demais aprendizes. Talvez.

Bufou, assoprando para longe um cacho fino que caía sobre o rosto. Não, aquelas eram desculpas bobas que ela arrumava para esconder o seu próprio fracasso. Por isso, como meta de vida, ela terminaria os estudos na Academia com louvor antes dos vinte. Seria difícil, ao menos muito difícil, mas conhecia o gosto da satisfação no final de um projeto bem realizado. Uma obra-prima.

- Vocês são todos inúteis! – Felon se levantou brutamente, derrubando a cadeira de sua mesa, enquanto os aprendizes ao seu redor davam um passo para trás. As explosões do professor eram comuns, mas não deixava de intimidar. – Isto é o que chamam de projeto? Mais me parece um rascunho malfeito! Refaçam tudo, eu não aceitarei algo assim!

As expressões de desalento e raiva dos aprendizes era também comum na classe de Quimía. Somente os verdadeiros amantes da ciência suportavam Felon e suas avaliações extremamente sinceras. Mya inclinou-se para colocar a cadeira caída de volta em seu lugar, quando o mestre fez algo que raramente, dificilmente, quase – exatamente – nunca fazia: ele puxou o punho fechado para cima e o móvel se ergueu suspenso no ar, pousando de uma só vez no chão.

A manipulação de éter era quase proibida na sala de Quimía. Tal demonstração de descontrole assustou até mesmo os mais jovens, que guardaram suas folhas e moldes em bolsas de couro e deixaram a classe com as cabeças baixas. Ninguém queria ser o alvo da irritação do mestre. E mesmo os seus seniores o conheciam bem o suficiente para ficar em silêncio e esperar.

Somente Mya Patlovich podia fazer algo, e ela olhou o rosto avermelhado de seu professor, sem muita pena ou incriminação. Ela aprendera a aceitá-lo do jeito que era, apenas Felon, não um mestre ou um químico descontrolado. Só Felon. E com o afeto de uma filha, empurrou a xícara de leite até ele.

- Você não devia ser exigente demais com os mais jovens, eles se assustam e vão correndo para Gappi. - Ela o lembrou da irritação que era perder pupilos para Mestre de Morfologia.

- Se foram para a Morfologia é porque não são esforçados o suficiente. - Felon resmungou por cima da xícara.

Mya não concordava com aquilo, mas discordar com Felon era uma das coisas mais recorrentes no seu dia a dia. Além das classes de Quimía, fazia também Cálculo e uma vez se aventurara na Morfologia. Felon não a perdoou por quase dois meses. Sua vida girava em torno da Academia, seus projetos estavam em exibição na capital há três anos seguidos e seus avanços estavam além das expectativas para um sênior de primeira viagem. Pressentia que a sua graduação estava chegando, e no dia em que se tornasse mestre, partiria dali para nunca mais voltar. 

Não que ela detestasse a Academia. Aquele lugar era o seu lar desde que se conhecia como gente, mas também era a sua prisão. Felon a adotara como um pai, diferentemente dos demais mestres que apenas aceitaram tê-la por perto, ele gastava seu tempo ensinando-a e treinando-a para o futuro. Sempre seria grata a ele por isso. Mas não significava que queria ficar. O Deserto era pequeno demais para a sua ambição, ela desejava ir até a capital e conseguir um lugar entre os químicos do governo. Ajudar o Presidente a acabar com a guerra que vinha destruindo todo o mundo por meio século. Seria uma heroína, ajudaria as pessoas com a sua inteligência. Para isso fora criada, para isso fora salva do abandono. 

Línguas de Fogo - Crônicas de ÉterOnde histórias criam vida. Descubra agora