Cap. 02 - Caroline

12 2 0
                                    



O céu ainda parecia um grande lençol negro com estrelas e lua quando sai de casa.

Nada de inesperado, aquele sempre era o cenário de sempre da minha fuga "matinal", o meu grande esforço para evitar mais drama em minha pequena vidinha.

Ainda estava um pouco frio, o que não facilitou minha tarefa de simplesmente sair caminhando usando apenas aquele uniforme idiota da escola.

Por mais que eu tentasse me preocupar um pouquinho mais sobre sair nesse horário, eu não conseguia. Já fazia uns cinco anos que eu seguia essa rotina e a única coisa estranha que acontecera fora quando vi um homem que parecia estar me seguindo e, ainda assim, só pude perceber que ele tinha o cabelo dourado antes de perdê-lo de vista.

Se ele estava me seguindo com segundas intenções, perdera rapidamente o interesse.

Suspirei, tentando voltar ao presente, mas mal cruzei o segundo quarteirão quando o vi.

Meu irmão.

Ele estava acompanhado de um amigo. Parecia serio por sua postura, só que logo vi um sorriso em seu rosto.

Alfonse era pouco parecido comigo e, ainda assim, bastante diferente. Ele tinha cabelo longo e loiro, olhos castanhos que as vezes pareciam cinzas; aquele tipo de corpo que lembrava um triângulo, com os ombros mais largos que iam afinando até sua cintura e então seguia reto, de forma que mesmo com muitos exercícios ele nunca aparentaria estar muito malhado.

- All! – Gritei, erguendo a mão.

Ele olhou em minha direção e apenas virou o rosto, voltando a conversar com seu amigo tão mais interessantes do que sua irmã que ele ignora há quase 7 anos...

E então eu fiquei lá, o encarando enquanto ele caminhava com seu amigo para algum lugar além da minha vista.

Tentei não me irritar tanto, logo que eu já sabia que aquilo iria acontecer, mas não adiantou nada. Cheguei na escola estressada, jogando minha mochila sobre um dos últimos bancos de concreto, sem me importar com os cadernos e livros que estavam lá dentro.

A mochila seria meu travesseiro mesmo.

- Você fez o dever? – Lucia perguntou jogando a bolsa dela em cima da minha barriga.

Eu estava deitada no chão, com o concreto em minhas costas, minha cabeça em cima da minha mochila e minhas pernas cruzadas.

- Não, eu não deixo você copiar – respondi sem encara-la.

- Carolineeeee – ela começou o drama -, eu não posso sair da sala hoje. Por favor. Por favorzinho...

- Nope...

- Você pode passar a tarde toda lá em casa e eu ainda faço um baita de um lanche pra você.

Virei para ela com um sorriso idiota, levantando mais do que o necessário uma das minhas sobrancelhas.

- Pode ser o que você pedir, qualquer coisa, só me dá o dever de matemática pelo amor de Deus.

Lucia era minha amiga desde a 5ª serie, quando começou a sentar do meu lado nas aulas ao perceber que eu sempre fazia a tarefa, copiando todas enquanto espiava pelo canto do olho. As vezes ela não era nem tão sutil, diante da necessidade, ficar de joelhos ao meu lado era totalmente aceitável para isso.

No inicio eu a achava mega irritante, ficando em poses desconfortáveis somente para evitar que ela desse uma olhada nas minhas respostas, mas no final cedi àquele sorriso sem noção e ao seu esforço para não levar uma bronca dos pais.

Sentei e peguei meu caderno, a entregando logo após umas brincadeiras infantis de "você consegue pegar?", tirando-o do seu alcance há poucos segundos do contato das mãos dela.

- Idiota... Criança – ela resmungou.

Apenas ri daquilo. Eu adorava brincar com ela, ainda mais porque ela demorava para se irritar.

Voltei a deitar e tentei fazer aquele momento durar, mas quando dei por mim, já estava escutando o ultimo sinal da escola e me despedindo das minhas amigas.

Eu sempre voltava a pé para casa, ainda que quase não houvesse iluminação no caminho com as lâmpadas dos postes queimadas e as poucas que sobravam pareciam prestes a cederem as trevas.

Sempre me dei muito bem com a escuridão e caminhar daquela forma era uma das partes favoritas do meu dia.

Minha mãe estava dormindo no sofá enquanto a tv estava ligada. Meu padrasto estava em seu escritório, provavelmente também estava dormindo, mas sobre alguns papeis de relatório e seu notebook.

Desliguei a tv e dei um beijo na minha mãe, a acordando.

- Vamos, hora de dormir.

Ela olhou pra mim atônita e então sorriu.

- Boa noite filha.

- Boa noite mãe.

Ela bocejou e foi pro escritório do seu amado marido, tentei não ficar com raiva, mas quando cheguei no meu quarto já não estava mais de bom humor. Tomei um banho e fui dormir, tentando esquecer que todos os dias seriam assim, uma repetição interminável de fugas e frustações.

DescendentesOnde histórias criam vida. Descubra agora