Cicatrizes
Revirei os olhos pela última vez. Como as pessoas conseguem ser tão irritantes? Ouvi sua risada sarcástica me fazendo ficar mais nervoso ainda. Passei a mão pelo meu rosto tentando me acalmar, mas ele esbarrou em minha cadeira. Tomei impulso, me levantei e fiquei de frente com ele o encarando, enquanto ele me apresentava seu sorriso cínico.
-- Eu já te falei pra não mexer comigo. -- disse me aproximando mais ainda.
-- E se eu não te obedecer? O que você vai fazer? Chamar a sua mamãezinha? Ou talvez a babá? -- me encheu de perguntas atraindo risadas da "platéia".Deixei suas perguntas indiotas de lado e o encarei com os olhos transbordados de raiva.
-- Você não passa de um nerdzinho Allam. -- me provocou -- Não tem coragem de enfrentar as pessoas como homem. Não sabe nem mesmo responder as simples perguntas que te fiz. -- completou.
Respondi-o com um forte murro em seu estômago, o fazendo dar um passo para trás e inclinar para frente com as mão cruzadas sobre o local afetado. Havia cansado de toda àquela humilhação. Todo dia era a mesma coisa: quatro horas de tortura. Ouvi alguém pigarrear e só então percebi que a professora de história havia presenciado toda a cena. Notei puro ódio em seus olhos.
-- Para a direção -- gritou tão alto que até o diretor deveria ter escutado -- agora. -- berrou mais alto ainda.
O que eu mais temia estava acontecendo. A direção, sem dúvidas, era o lugar mais desconfortável da escola. Só perdia para a aula de história, claro. A minha situação estava muito complicada. Eu havia dado um murro no filho da professora que menos gostava de mim e o diretor também tinha a mesma personalidade dela. Minhas pernas estavam tremendo e meus pés davam passos em falso, enquanto deslizava uma mão pela outra nervosamente. Não queria que meus pais ficassem sabendo do incidente, mas era impossível.
Ao passar pela sala da direção, notei que a porta estava fechada. Voltei então para a sala da coordenação e encostei na porta aberta. Pelo menos a coordenadora era mais delicada que o diretor.-- Pois não meu jovem! -- ela disse animada, com um sorriso enorme nos lábios.
Permaneci sério e desci meu olhar até o chão com vergonha.
-- Eu... Eu fui expulso da aula de história.. -- disse muito rápido.
-- Como? -- perguntou desentendida.
-- A aula de história... -- falei olhando agora em seus olhos.
-- O que que tem a aula de história? --questionou sem emoção nenhuma.
-- Fui expulso. -- disse seco, e olhando para o chão em seguida.
Ela ficou calada por um momento olhando pela janela da sala. Levei meu olhar de encontro ao seu e percebi que ela estava com um olhar frio, ainda olhando para fora.
-- Você tem que fazer alguma coisa Marta. - disse a professora invadindo a sala sem pedir licença.
A coordenadora ficou parada do mesmo jeito por mais um tempo, enquanto eu sofria os olhares acusadores e desprezivos da historiadora.
-- Ele bateu em meu filho. -- disse fazendo drama.
-- Você deveria ser expulso. -- falou, finalmente.
-- O quê?! -- falei assustado.
-- Pelo que eu saiba, você não tem problema de audição, então é o que você escutou. -- retrucou.
Virei-me para trás e saí andando pelos corredores vazios enquanto ouvia a coordenadora me chamando. "Não. Eu não tenho problemas de audição.", respondi ela mentalmente. Enquanto passava pela porta da minha sala escutei pessoas curiosas e falsas perguntando o que tinha acontecido, se estava tudo bem. "Tenho cara de que está tudo bem?". Pensei em responder, mais apenas balancei calmamente a cabeça espantando meus pensamentos. Prossegui meu caminho até as escadas e subi até o terceiro andar. Lá era o lugar essencial para minhas fugidas, pois era calmo e não tinha ninguém transitando. Sentei-me na primeira cadeira que vi, querendo me livrar de meus problemas. Parece que tinha mais uma pessoa na minha lista de opositores. Fechei os olhos e joguei minha cabeça para trás, batendo a na parede. Ignorei a dor e abri meus olhos novamente. Apoiei meus braços na mesa e me levantei indo para o banheiro presente no mesmo andar onde estava. Entrei e acendi a lâmpada mas ela ficou piscando e logo depois estourou espalhando cacos de vidro por todo lado. Protegi meu rosto com as mãos mas nenhum pedaço me atingiu. Caminhei mais alguns passos até sentir a parede. Escorreguei por ela e sentei no chão fechando os olhos em seguida. Senti o cansaço me ocupar, meus olhos arderem mas não me permiti chorar naquele momento. Ainda havia muitas guerras a enfrentar; não poderia desistir agora. Abri meus olhos e explorei o espaço ao meu redor. Avistei um caco de vidro próximo a meu pé. Peguei-o e o examinei: não era muito grande e tinha uma parte curvada.
Toda a minha vida naquela escola havia sido a mesma coisa: sempre tinha alguém para me pertubar. Sempre alguém deixava alguma marca ruim em mim. Sempre fui meio nerd mais não tão perfeito. Nunca tinha reprovado de ano nem ficado na recuperação; possuia poucas notas baixas, mas afinal: Quem se importa? Poucas e raras pessoas ou até mesmo ninguém. Nunca me imaginei numa cadeira na direção ou coordenação falando sobre minha expulsão de alguma aula. Nunca me imaginei sorrindo para meu próprio sangue, ou melhor, nunca me imaginei cortando meu próprio pulso. Ouvira falar que sentimos uma sensação de leveza mas será que vale a pena?Esta simples história possui várias lições mas a principal é a ação por meio de impulsos. Nem sempre ou na maioria das vezes o ser humano consegue controlar seus impulsos. Mas será que não tem como evitá-los? Sim. Existe meios de fugir deles e ainda conseguir resolver os problemas.
Cortar a veia do pulso também não é uma solução, pois você pode até consegui resolver seu problema mas você carregará as cicatrizes para sempre. Sempre que olhar para elas você recordará de suas dificuldades. Então, não vale a pena fazer marcar em nosso corpo tentando amenizar nossa dor, Certo?