Cap.IV - O Marceneiro

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Depois do dia de caça Jason sentia-se renovado. Viu quando os dragões dos Capitães de Ferro sobrevoaram a aldeia indicando que o rei Xanthus tinha retornado. Quando Mikhail passou em sua casa naquela manhã para chamar Kearney para lhe acompanhar na feira vender as aves ele dissera que o pai havia sido convocado muito cedo para encontrar o rei nas fronteiras do norte.

Os boatos dos saques se espalhavam pela capital e Jason temia pelo que estava por vir. Ergueu o machado e derrubou mais uma imensa árvore. Foi até onde estavam os galhos e começou a retirá-los um a um até que restasse apenas o tronco comprido e sólido.

Kearney e Mikhail já tinham completado quinze anos. Na próxima safra entrariam para a Academia. Apesar de Jason ser um marceneiro Kearney seria admitido na Academia, pois era seu primogênito e o rei o considerava um de seus homens de confiança. Rei Xanthus até admitiria que Mikhail fosse para a Academia, mesmo sendo o segundo filho de Orion.

Quando Foster se recusou a ser um guerreiro Orion achou que havia caído em desgraça. Não se pode passar por cima de uma tradição dessas. Todo o primogênito das famílias escolhidas devem ingressar na Academia ao completar quinze anos. Ao permitir a inversão, que Foster herdasse as terras enquanto Mikhail se tornava o guerreiro muitos tiveram medo que isso abrisse precedentes para que outras famílias fizessem o mesmo pedido, que começassem a escolher qual de seus filhos mandariam para a Academia, mas isso não aconteceu. Ser guerreiro e ter a posse de um dragão era o sonho de todo menino, de qualquer uma das tribos de Noithar, e dificilmente o primogênito abriria mão dessa honra em favor do irmão mais novo.

Jason estava ciente de que no início do próximo ano Kearney não mais lhe pertenceria, mas antes de ingressar na Academia era preciso assinar o contrato de casamento.

Naquela noite Jason não dormiu pesando no homem chamado Sebasthian. Depois de ponderar muito ele decidiu não fazer nada. Iria aguardar até Kearney entrar na Academia, que é quando ele realmente teria de apresentar o contrato. Afinal de contas a possibilidade do homem não retornar era bem grande e se ele alertasse o rei e Sebasthian nunca mais aparecesse? Ele não sabia onde poderia encontrá-lo, não sabia onde ele morava, então para quê incomodar o rei com uma ameaça que nem era real. Com tantos problemas, com os saques se espalhando pelos reinos. Aguardaria mais alguns meses. Porém Jason sabia, no fundo, bem no fundo de seu coração sabia que Sebasthian voltaria, na verdade ele estava aguardando seu retorno, aguardando ansiosamente, mas não podia admitir isso nem a si mesmo.

A carroça já estava lotada com troncos das árvores cortadas.

– Vamos voltar!

Os homens acomodaram os machados nos ombros e começaram a retornar ao castelo. A carroça rodava lentamente pelo peso excessivo, os cavalos se esforçavam, mas caminhavam devagar. Jason seguiu no mesmo ritmo deles, às vezes um deles escorregava o casco na terra fofa. Jason ia ao seu lado incentivando que continuassem. Demorou quase uma hora para que chegassem à estrada principal. Os meninos vinham correndo por entre as árvores. Ronald vários passos a trás.

– Kearney, não corra. Espere por seu irmão.

– Ele está logo ali, pai. Não vou perder o Ron, não o perdi na feira mesmo com aquela multidão.

– Havia muita gente na feira?

– Estava lotada.

– Venderam as aves?

– Sim. E as penas.

Jason assentiu e os meninos voltaram a correr. Finalmente Ronald conseguiu alcançar o pai.

– O rei Xanthus voltou. Nós vimos sua carruagem dele. Eu queria ter visto o rei, mas Kearney me fez ajoelhar e eu estava abaixado quando ele passou.

– Você deve se ajoelhar sempre que o rei passar Ron. Kearney fez bem em lembrá-lo disso.

Ronald baixou o rosto mordiscando o lábio inferior visivelmente decepcionado. Ele era muito parecido com a mãe, a começar por aquela mania de morder os próprios lábios, Amarantha sempre fazia isso quando estava preocupada, e havia os olhos verdes inocentes que sempre desarmavam Jason. Ele se abaixou para ficar da mesma altura do filho.

– Olha, amanhã você pode me acompanhar no serviço. Assim talvez você consiga ver o rei Xanthus, o que você acha?

A criança sorriu e seu sorriso também era o mesmo sorriso largo de Amarantha.

– Agora vá, senão você perde seu irmão.

Ronald balançou a cabeça e saiu correndo pela floresta. Jason continuou seu caminho até o castelo.

O castelo estava agitado com a chegada do rei. Jason chamou alguns homens para que o ajudassem a descarregar a carroça. Os troncos foram acomodados no canto do barracão. Os galhos que tinham sido retirados serviriam de lenha para o fogo. Jason atribuiu a tarefa de repicar os galhos em tamanhos menores a Ahern, seu jovem aprendiz.

Ahern amontoou os galhos e começou a cortá-los em pedaços que coubessem na fornalha de Brook. Brook era o ferreiro real e tinha um barracão do lado do de Jason, muitas vezes os dois trabalhavam juntos. Jason sabia trabalhar o metal tão bem quanto a madeira, e quando não tinha muito serviço ajudava Brook com as espadas, armaduras, capacetes. Brook, na verdade, tinha muito mais serviço, por isso também dividiam Ahern.

Brook era um dos poucos homens do reino autorizados a manipular o ferro. O ferro é o único metal capaz de ferir um dragão, ou seja, as únicas armas humanas capazes de enfrentar a principal linha de defesa do reino, por isso ele era proibido. Todas as minas de ferro eram fortemente protegidas e nenhum habitante de Noithar poderia portar uma arma de ferro sem a autorização do rei.

Ahern era um menino órfão cujo pai tinha sido morto por alguma doença desconhecida. A mãe rapidamente se casou de novo e Ahern não se dava muito bem com o padrasto, assim quando ele completou quinze anos foi oferecido ao castelo como aprendiz, já que sua família não era da casta nobre e ele não poderia ser guerreiro. Jason gostava do menino, ele era esperto, trabalhador, nunca reclamava de nada e sempre obedecia ao que lhe mandavam fazer. Após algumas semanas Ahern se mudou para o barracão, não voltava mais para a casa, então Jason e Brook se revezavam e nas folgas Ahern sempre ia para a casa de um ou de outro.

A única encomenda que Jason tinha naquele dia era um cavalo de brinquedo para o príncipe Daymond. Ele cortou uma grande tora que colocou sobre a mesa de trabalho, pegou três formões de diferentes tamanhos para iniciar seu trabalho.

Ahern se distraiu com alguma coisa do lado de fora, e Jason imaginou que deviam ser cavalos. O garoto era apaixonado por cavalos. Brook até havia ido até os estábulos tentar oferecer o menino, mas o cavalariço já tinha dois aprendizes e não queria um terceiro e, para ser aprendiz na cavalaria Ahern teria de ter pelo menos um pouco de sangue nobre, e ele não tinha. Então o rapaz se contentava em admirar os animais enquanto passavam pelo pátio. Quando terminava seus afazeres mais cedo sempre ia assistir o domador treinar os animais jovens, ou observar enquanto os aprendizes de cavalariços escovavam os belos cavalos da guarda. Jason tinha certeza que se Ahern pudesse escolher em ter um cavalo ou um dragão ele ficaria com o cavalo.

Jason esticou o pescoço e viu a comitiva atravessando o pátio. Os príncipes Joarque e Ásvila estavam voltando da caçada. Os dois foram direto para o castelo, provavelmente já haviam recebido a notícia de que o pai tinha chego naquela manhã. Pouco tempo depois os cavaleiros chegaram ao barracão de Brook trazendo as espadas para que fossem afiadas e as armaduras para que fossem desamassadas e polidas. Para Jason entregaram um arco quebrado para que o concertasse, pediram mais flechas e se foram.

Jason voltou ao seu cavalo de madeira pensando que depois que terminasse o brinquedo faria um novo arco para o príncipe, aquele não tinha mais concerto.

Escamas de SangueWhere stories live. Discover now