Jade - Parte 2

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Eu conseguia lembrar muito bem da primeira cena que criamos no RPG, na qual minha personagem Lufana acabava encontrando o Sonserino de Isaac. Achava na época que a combinação de casas em um relacionamento era perfeita, mas não tanto quanto foi de fato. E a cena foi assim:

Saltitei pelos corredores quase desertos, cantarolando All You Need Is Love. Estava querendo fazer isso desde que tinha passado pelo jardim, contudo, não pude, pois estava repleto de pessoas e eu não consigo cantar na frente delas. "Não só pela vergonha, mas também porque não quero chamar a atenção de ninguém." Enrolei uma mecha insistente do meu cabelo, que a todo minuto caia em meu rosto, ainda cantarolando. "De fato amor é tudo que eu preciso.", pensei, rodopiando ao ver que o corredor estava vazio. Comecei a cantar mais alto, sabendo que ainda demoraria um pouco para que alguém me visse. "Minha voz deve ser extremamente horrível." Parei de rodopiar e fiz um passo de balé que tinha aprendido ao ver um programa de TV trouxa. - Plie, plie. - Murmurei, voltando a cantar em uma parte aleatória da música. "Se eu continuar assim nunca vou terminar a música."

Ri e rodopiei novamente, cantando o mais alto possível, quase como um grito. "Isso é tão divertido!" Ao parar de girar, percebi que já não estava mais sozinha. Um garoto alto, com olhos castanho-claro; cabelo castanho-escuro, lembrando-me o negro; e um corpo levemente definido me observava. "Levemente? Isso é apelido para o que é de verdade." Só então me dei conta de que ainda estava cantando. Parei imediatamente, abaixando meu rosto, envergonhada por alguém ter visto meu showzinho. Meu cabelo ficou como uma cortina sobre meu rosto, o que facilitou para que eu não olhasse para ele. Fiquei esperando que se pronunciasse, mas ele permaneceu em silêncio e eu permaneci na mesma posição, constrangida.

Ao ouvi-lo dizer que tenho uma voz bonita e que gostou da dança fiquei ainda mais constrangida. "Voz bonita? Ele deve ser surdo, pois ninguém me disse isso antes... Não que muitos tenham me ouvido cantar." O garoto, provavelmente mais velho que eu, disse que eu não precisava ficar envergonhada e quase protestei, contudo, mantive-me calada. "É claro que ele está dizendo isso! Não foi ele quem cantou na frente de um estranho!" Levantei meu rosto ao ouvi-lo se apresentar e tive que pronunciar-me pela primeira vez. - Jade Ha... - Parei subitamente de falar, mordendo o lábio com força. "Sem sobrenome, sua lerda!" Fiquei olhando-o por um tempo, ficando hipnotizada por seus olhos. "São tão diferentes..."

Pigarreei, balançando a cabeça de um modo imperceptível. - Apenas Jade. - Disse com a voz rouca. - É um prazer conhecê-lo. - Completei, tentando ser educada, mesmo estando envergonhada. - Sinto muito por ter tido que ouvir minha voz de trasgo resfriado. - Comentei, lembrando-me do motivo para um garoto como ele estar falando comigo. - E não precisa mentir, sei que danço mal. Deveria guardar isso para mim, então, novamente, sinto muito por ter visto isso. - Lamentei. "Gostaria de saber de que casa ele é... E o ano também." Enrolei a mesma mecha insistente de antes, tentando obter coragem para fazer perguntas. "Perguntou ou não pergunto? Vamos Jade, decida-se..." Deixei minha briga interna de lado, resolvendo perguntar. Lambi os lábios, tentando disfarçar as pequenas rachaduras neles devido o frio, e também para obter coragem para perguntar: - De que casa você é? E em que ano está? - Olhei para meus pés, novamente envergonhada. Fiquei nas pontas dos pés, depois voltei ao chão, ficando parada como uma pessoa normal. Repeti o movimento várias vezes, ansiosa.

Fiquei confusa quando Isaac perguntou meu nome do meio. "Por que ele quer saber isso? Ninguém NUNCA me perguntou isso." O que me deixou mais desnorteada ainda foi o fato de que o garoto se aproximou de mim, e, para completar, elogiou-me novamente, dizendo que minha dança "já valeu por qualquer coisa". Pisquei, levemente atônita. Respirei fundo, encaixando letra por letra, palavra por palavra, formulando uma frase em mente para só então conseguir falar. - Elizabeth. - Minha voz saiu como um sussurro e não tive certeza se ele ouviu ou não. - Elizabeth é meu nome do meio. - Disse com a voz mais firme.

Isaac contou-me que é sonserino e está no primeiro ano. "Que estranho... Por que será que nunca nos vimos antes?" Pensei, resolvendo rapidamente não perguntar. Ele comentou que tem sido legal, ou melhor "maneiro", segundo suas próprias palavras. Continuou falando e sua frase me deixou ainda mais intrigada, e extremamente confusa. "O que ele quer dizer com 'ainda mais agora'? O que aconteceu agora? Alô, curiosidade é meu nome do meio... Ou quase." Isaac perguntou-me minha casa e ano. - Lufa-Lufa, e estou no mesmo ano que você. - Dei um sorrisinho.

O garoto a minha frente começou a se aproximar cada vez mais de mim, o que me deixou levemente tensa, e, mesmo desconfortável, não fiz movimento algum. Ao contrário de tudo que era lógico, pelo menos no meu padrão, inspirei profundamente, sentindo o cheiro agradável e até mesmo másculo de Isaac. "Será que todos os garotos cheiram tão bem assim?" O moreno me tirou de meus pensamentos, perguntando o que eu estava fazendo sozinha no corredor. - Er... Eu queria um lugar calmo para poder cantar, mas acabei dançando também. - Sussurrei, sabendo que pela pouca distancia que nos separava, Isaac poderia me ouvir bem. - Bem, agora não estou sozinha, já que você apareceu aqui e me flagrou. - Ri baixinho e então percebi que ele poderia interpretar mal minha frase. - Não que eu não queira você aqui! Muito pelo contrário... Eu gostei bastante dessa coincidência. - Engoli em seco e então continuei rapidamente: - Quero dizer... Gostei de te conhecer e estou gostando muito de sua companhia, portanto, acho bom continuarmos conversando. - Mordi o lábio, tentando controlar minha boca para não dizer mais nada. Senti a boca seca, lambendo os lábios em seguida. "Por Merlim, ele vai me achar a garota mais idiota que existe e vai querer se afastar!"

Mal eu sabia como estava errada, mesmo que dissesse isso para sustentar a personalidade da personagem. 

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