Isaac - Parte 2

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Eu e Jade nunca tínhamos conversado fora do RPG, mas ela estava dando ideias demais para uma próxima cena. Não teríamos como conversar tudo mandando mensagens pelo RPG, as quais não são instantâneas como em um chat. Então eu passei meu Skype para ela, apenas para conversarmos melhor sobre a cena em questão. Foi quando vi sua foto e quase fiquei de joelhos. A beleza dela me nocauteou. E me senti mais do que pronto para escrever a cena que ela propusera. A cena ficou assim:


***


O dia estava ensolarado como era de se esperar naqueles meses de verão. Os raios solares da manhã entravam nas janelas e paredes de vidro no shopping e deixavam o lugar excessivamente iluminado. Por sorte, havia trazido óculos de sol para cobrir essa luminosidade. Combinado com a jaqueta de couro e a calça, estava mais bem arrumado que o normal para passear em lugares movimentados. Nunca gostei de acordar tão cedo, considerando que já passei muitas noites acordado e quando dormia, era culpa da bebida. Quando acordava, a ressaca era tão grande que todos meus sentidos me mandavam enfiar a cabeça por baixo do travesseiro e não sair até que fosse noite novamente. Caso o contrário, só um banho ou uns cigarros poderiam me fazer aguentar o clima matutino. Não tenho uma boa relação com o astro rei. Ele não deve ter gostado das vezes que xinguei ou levantei o dedo do meio pra ele. No entanto, eu me sentia estranhamente disposto naquele dia, talvez porque estava ao lado de Jade. Ou porque tomei café da manhã com ela. Ou porque conversamos muito.

Jade caminhava ao meu lado, observando tudo no shopping Imperial Angst Pallas. Era um centro de compras bem famoso e frequentado, ocupado por inúmeras lojas diferentes. Muitos bruxos caminhavam perto de nós, levando suas compras e conversando animadamente. De certa forma, me lembrava do Beco Diagonal. A garota estava bem interessada em tudo que via, parecendo querer conhecer cada detalhe daquele lugar. Eu já conhecia Jade o suficiente pra saber que o shopping iria ocupar sua atenção. Por isso logo decidi trazê-la em uma viagem rápida da mansão da família Haraldsen. Parecia o momento perfeito pra distrai-la acerca de qualquer lembrança triste que lhe afetara algumas horas antes. E tudo estava saindo da maneira que eu planejara. Seguíamos em direção a uma loja contornada de adereços coloridos. Tirei meu óculos e arrumei a gola da jaqueta.

Quando viu a Sweet Witch, Jade ficou maravilhada e praticamente correu pra entrar na loja repleta de doces bruxos. Era de chamar a atenção de qualquer um, até eu gostava de beliscar alguns aperitivos de vez em quando. Sabia que ia ganhar pontos de reconhecimento por levá-la até aquele lugar e fiquei satisfeito ao perceber que a garota explorava as prateleiras, completamente esquecida da minha presença. Só depois de alguns segundos, me aproximei pigarreando. Jade pediu desculpas, mas justificou dizendo estar maravilhada com aquela loja.

- É. Imaginei que fosse te animar. Vamos ver se descolamos algum rango.

Deixei Jade analisar os balcões com suspiros, bolos, balas e todo tipo de massas e bebidas recheadas de açúcar. Enquanto caminhava pelas amostras, coloquei alguns bombons na boca, sem me preocupar com a permissão. Quando cheguei a uma máquina de café, pude ler uma placa que dizia "Cappuccino da Coragem".

- O que isso faz? – perguntei à atendente. Ela falou que a bebida quente tinha o poder de nos incentivar a falar verdades. Refleti. Se Jade tomasse, talvez me contasse qual o motivo de sua inquietação mais cedo. Eu finalmente podia tirar a dúvida de que a culpa seria minha ou não. – Por favor. Um copo. – pedi levantando um dedo. Ela pegou um copo de plástico que magicamente se encheu com o café e me entregou. "O cappuccino custa... Senhor?", começou a mulher, mas eu já estava me distanciando e chegando perto de Jade.

Ela estava provando alguns doces e tinha um pouco de farelos na boca. Ficou um pouco assustada, como se estivesse sendo pega no flagra.

- Quer beber algo? Trouxe pra você... – entreguei o copo e ela o recebeu observando a embalagem. Seu rosto parecia desconfiado. Peguei alguns puxa-puxa morcego e mastiguei umas quatro de uma vez. – É só um cappuccino. – falei ainda mastigando, Jade percebeu a falta de educação e me encarou com um olhar reprovativo. – Desculpa. – pedi sorrindo e indo buscar um guardanapo. Quando voltei, a garota estava segurando o copo e me observando de uma maneira divertida. – O que...? – perguntei, mas não tive tempo pra terminar porque ela havia se jogado nos meus ombros, dando um longo e delicioso beijo. Quando terminamos, sorri e passei a língua pelos meus dentes recém-afiados pelo puxa-puxa. – Quero mais.

Jade se desprendeu e voltou a olhar os balcões. Eu não esperava que esse fosse o efeito do cappuccino, mas superara minhas expectativas. Se ela queria me beijar, então as coisas não podiam estar melhores. Certo? Fiquei observando-a e peguei mais alguns doces comuns.

- Ei, Lizzie. Esse aqui é bom... – toquei no seu ombro, mas no mesmo instante, senti uma onda de luz emanar da garota. Em uma piscada de olhos, Jade estava diferente, ainda podia ver a mesma aparência só que desta vez mais exaltada. Como se eu pudesse enxergar alguns detalhes que nunca havia visto antes. Detalhes escondidos que decidiram explodir ao mesmo tempo. Jade perguntou o que estava acontecendo, mas eu havia deixado cair o doce no chão. Estava com uma estúpida cara de bobo, boquiaberto e encarando aquela garota que não parecia real. Todos os seus traços eram completamente perfeitos. Engoli em seco. – V-Você é linda. – falei desviando o olhar. Sabia que tinha exagerado.

Então notei pequenos bombons em formato de lábios em suas mãos. Uma bandeja com vários deles empilhados, tinha uma placa com o nome "Beijo de Veela". Ah bom. Suspirei sabendo o porquê daquela irresistibilidade momentânea. Esse era o efeito do doce. Um casal passou e o garoto assobiou pra Jade, mas a namorada lhe deu um beliscão no braço. Aquilo me incomodou um pouco e de repente, vários outros garotos começavam a olhar para a garota. Jade parecia um tesouro repleto de joias e diamantes no meio da Sweet Witch.

- Porque você comeu isso? – perguntei com um tom de incômodo na voz. Ela deu de ombros e disse que se sentira encorajada a comprar. Jade arrumou o seu lindo cabelo sedoso e eu fiquei babando por alguns segundos até balançar a cabeça e sair do efeito daquele encanto. – Tudo bem. Vamos pra outro lugar. – falei lhe puxando pelo braço. No entanto, a garota falou que havia gastado tudo com doces trouxas. – Não importa! – falei quase gritando. – Quer dizer, tudo bem. Só vamos sair daqui.

Ela não pareceu entender o porque daquela decisão imediata, mas concordou e me acompanhou enquanto eu lhe acompanhava praticamente lhe arrancando de dentro da loja. Outro garoto assobiou e eu discretamente – ou não – levantei o dedo do meio pra ele. Definitivamente, ele merecia recebê-lo mais que o próprio astro rei.


***


Apenas algumas informações importantes antes de continuar. O nome da família de Jade no RPG era Haraldsen, apesar de seu nome real ser bem diferente. A nacionalidade dos sobrenomes é completamente diferente. Trouxas são pessoas não bruxas. Veela são mulheres com beleza extraordinária. E essa cena foi muito divertida de fazer. De verdade! Ainda mais depois de ver que a garota real era muito mais bonita que a atriz que usava como avatar. Nós combinamos todos os detalhas pelo Skype. Metade das ideias foi dela e a outra metade foi minha. Havia todo um contexto tenso anterior a essa cena, o qual não acho interessante contar, mas essa cena é interessante de se mostrar ao mundo. Foi a primeira vez que a Jade virtual beijou o Isaac do RPG. Foi a primeira vez que Isaac sentiu tanto ciúme de Jade. Foi a primeira vez que os dois comeram algo mágico juntos. E foi muito bom! Eu nunca esquecerei essa cena, principalmente porque foi com ela que começamos nosso relacionamento virtual de verdade. Não o relacionamento dos personagens, apesar de já termos desenvolvido muito da ligação deles. Mas a ligação de Jade Elizabeth Zahrah e Isaac Lattanzi, as pessoas reais. Começamos a nos desligar aos poucos do RPG, pois percebemos que o real motivo para ficarmos nele era o envolvimento de nossos personagens. Começamos a conversar sobre assuntos reais. Começamos a criar cenas no Skype para nos divertir, dessa vez usando a vida real. E foi aí que meu mundo virou de pernas para o ar.





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