Prólogo

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Prólogo

Crônica 1

A espera de um milagre.

Existe coisa pior do que ver a casa dos trinta batendo à sua porta e você estar em um emprego que não gosta? Existe: você ter quase trinta anos, estar em um emprego que não gosta, morar na casa dos pais ― e não ter ideia de quando saíra de lá ―  e, ainda ser virgem.

Sim. Virgem. Não do signo de virgem. Virgem de ser virgem mesmo. Zero de relação sexual.

Alguns até podem pensar que é babela minha, mas meu amigo, acredite: tenho quase trinta anos e sou virgenzinha da Silva.

E não sou assim por opção minha, nem por questão religiosa ou ainda para me guardar para o casamento e o tão sonhado príncipe encantado. Não, meu caro amigo, sou assim por opção. Dos homens!

Pensa que é fácil ser virgem em pleno século 21, prestes a passar pelo fim do mundo anunciado pelos Maias? Com toda a mensagem sexual deixada em novelas, filmes, seriados, músicas, livros, o que for? Ou ainda, saber que com a sua idade seus pais já eram pais de quatro filhos?

Imagine o desespero que me acomete ao pensar que estamos em 2012, o mundo para acabar ― segundo os Mais ― e eu com a possibilidade de morrer virgem... É, minha situação não é a das melhores. Outra coisa, tem algo que brasileiro fale mais do que sexo? Acredite em mim: não! Tudo o que um brasileiro fala, por mais que seja um assunto inocente, acaba no mesmo lugar: sexo.

Isso é bom? Não. Não quando você ainda é virgem e não tem muita ideia do que eles falam. Tudo bem que existem todos os materiais citados antes, ainda assim, não é a mesma coisa e todos nós sabemos disso. Não há nada descrito em um bom romance que chegue aos pés do real. Aliás, nada em um bom romance é como o real, não te dá experiência de nada nesse nível.

Deixar algo bem claro: amo romances, ok?

Sobre os pais... Bem, até podem me dizer que eram outros tempos e realmente, eu concordo. Piores, meu amigo, eles eram bem piores.

A menina naquele tempo que ainda fosse virgem não era nada demais. Era o comportamento normal e esperado. Estranho seria se ela fosse uma oferecida ou coisa parecida.

Mas isso mudou e como mudou.

Toda essa tecnologia a nossa disposição só serve para atrapalhar a vida de uma virgem

E como isso pode te atrapalhar?, você deve estar se perguntando e eu te respondo: já fez uma busca sobre o tema “sexo” em seu site de busca preferido? Se não, aconselho a fazer. Ah, não se esqueça de fazer isso quando estiver sozinho, com a porta trancada e sentado. A ultima vez que fiz uma pesquisa assim, não foi uma das minhas experiencias mais agradáveis e nem para meus parentes... Enfim.

Se esse fosse o único problema da tecnologia, estaríamos bem, mas não é o que acontece.

Cada vez que você liga a televisão, acaba dando de cara com um casal se pegando e, como você fica depois disso? Não fica. Aliás, fica.

Fica com vontade, na seca, com raiva, querendo subir pelas paredes e, para não sair no prejuízo, desliga a televisão, antes de quebrá-la.

Sei que deve estar se perguntando “se te incomoda tanto, por que não faz algo para mudar?”. Falar é fácil, cara pálida. Queria ver se fosse você no meu lugar. Para o homem pode até ser considerado um pouco mais fácil ir lá e pimba, mas para a mulher... Oras, veja bem, meu amigo: se você se faz de difícil, pode ser taxada de frígida e pensar que é mais do que na verdade é; se dá moleza, é a fácil, a vadia que não serve para mais do que apenas uma noite.

Confesso que uma parte de mim ainda nutre aquele sonho juvenil de ter a primeira vez com alguém especial e tudo mais, mas se for para esperar muito, vou acabar cometendo um assassinato e logo irão ver em alguma manchete por ai: “Virgem cansada mata o príncipe encantado!”.

Não vá pensando que com isso irei me atirar no primeiro cara que me aparecer na frente. Sou virgem, não louca. É diferente.

Não sou um monstro, nem vim de outro planeta. Só sou virgem, e daí, cara pálida?

Analice terminou de digitar sua crônica e releu o que escreveu. Uma parte sua tinha medo de que fosse algo muito pessoal e que alguém a criticasse com isso, mas, a outra e maior parte, queria mandar tudo as favas.

Estava mais do que cansada de levar aquela vida tola e chata. Precisava de um pouco de agitação e não conseguia achar nada mais divertido do que contar alguma parte de sua vida na internet.

Certo... ela tinha plena noção de que sua visão de diversão estava meio distorcida, mas... o que podia fazer se sua vida estava em um marasmo total nos últimos anos?

A resposta: escrever crônica relatando sua experiências. Mais precisamente, a falta delas.

― Analice ― ela murmurou para si mesma. ―, você precisa urgentemente de uma vida. E agitada, de preferência.

Publicar ou não publicar? Eis uma das questões que movia o mundo. Corrigindo: o seu  mundo.

Com os dedos passeando pelo teclado e o coração batendo aos saltos dentro do peito, Analice se perguntou pela milésima vez se o que fazia era o correto.

E se alguém conhecido conseguisse descobrir que aquele blog lhe pertencia e saísse espalhando aos quatro ventos quem era a dona das crônicas? Óbvio que sempre haveria a possibilidade de mentir, negar que a história era sua, mas... queria realmente isso?

Não foi exatamente por estar cansada de sua vida e dos intermináveis “não” que ouviu durante todos esses anos que resolveu tomar aquela drástica e definitiva decisão?

Viu com o canto dos olhos uma janela subindo na tela do computador. Ao ler o recado de um de seus poucos contatos nas redes sociais dizendo: “Festa hoje a noite. Ai, se eu te pego... HAHA.”, Analice sentiu o sangue ferver e estreitou os olhos.

― É por isso, meu amigo ― ela dizia, enquanto apontava o dedo para a tela de seu notebook, como se o ameaçasse. ―, que estou nessa vida sem graça. Pessoas como você não deveriam esfregar na cara dos outros como nossas vidas são chatas e sem sal...

Voltou a respirar fundo pela milésima vez e, sem pensar em mais nada, seu dedo caiu em cima da tecla “enter”, liberando no espaço webbernético sua crônica.

Esperava realmente que não saísse machucada dessa história. Afinal, apesar de ser uma brincadeira e um decreto formal de sua revolta contra a humanidade sexista, ali estava a verdade sobre sua vida.

Aos vinte e sete anos, ainda era uma triste e tímida virgem.

Deus!, como essa pequena palavra de seis letras doem na alma...

 *Amores, não esqueçam das estrelinhas.

27. As crônicas de uma virgemOnde histórias criam vida. Descubra agora