Fevereiro II

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Mas não foi exatamente assim durante o dia todo.

Como disse, alguns professores eram novatos e outros eram de matérias específicas que não tínhamos no fundamental – como química, física... Quem precisa de química? Não havíamos precisado até então, não era agora que essa matéria faria uma enorme diferença na minha vida! A professora era carrancuda e severa, implicou com todas as interrupções que teve enquanto estava explicando seu “método e plano de ensino” – a maioria delas havia vindo do Carlos e do Joel, um dos sete populares, o que me irritava também, mas não era só com eles que ela parecia descontente. Qualquer pergunta parecia fora de contexto ou estúpida demais só pelo seu olhar...

Química não seria minha matéria favorita, eu podia apostar.

Os outros professores que nos conheciam fizeram questão de organizar aquela rodinha para responder a famigerada pergunta: “e aí, como foram as férias?”. E todo mundo, sem exceção, teve de falar alguma coisa que fizera durante dezembro e janeiro inteiro, mesmo que, como no meu caso, nada tivesse acontecido.

Veja bem, férias são para descanso. Não é pra que alguma coisa aconteça. Eu só ficava em casa, dormindo, comendo, jogando videogame, raramente saindo para o clube onde a Maria gostava de nadar nos fins de semana e eu servia como desculpa pra que a mãe dela a deixasse ficar até tarde. Era disso que as férias eram feitas desde que eu me entendia por gente – ou desde que a Maria aprendera a nadar, o que dava praticamente no mesmo.

Mentir era sempre uma opção, mas todo mundo sabia quando eu mentia. Minhas bochechas costumavam ficar roxas de tão inchadas e protuberantes. É sério. É como se eu tivesse uma reação alérgica à mentiras. Não dava.

Para a minha sorte, a roda da pergunta estacionou no grupo de amigas da Natália assim que elas começaram a dizer que haviam todas viajado para a praia juntas e como aquilo tinha sido perfeito e como elas tinham conhecido vários “gatinhos” e... E eu parei de ouvir e o sinal bateu logo em seguida. Só então soltei a respiração.

No nosso esquema de aula dava para ver que o martírio só estava começando. Nossos intervalos eram em horários diferentes dos de antes, já que teríamos de ficar no colégio por mais tempo agora. Mesmo o primeiro ano tinha atividades extras na parte da tarde, e não daria tempo de irmos e voltarmos de casa então todo mundo teria de almoçar por ali mesmo. Nosso primeiro intervalo era depois da segunda aula, às nove da manhã, e tinha só 10 minutos de duração para que pudéssemos ir ao banheiro, tomar água, essas coisas. O intervalo maior mesmo vinha depois da quarta aula, às onze e quarenta da manha. As aulas só voltavam à uma da tarde. Eu fiquei me perguntando o que faria por mais de uma hora dentro do colégio, já que almoçar mesmo levava pouco mais de quinze minutos. Daí que, na hora, percebi que não ficaríamos enjaulados na escola. O portão estava aberto. Podíamos sair e voltar às 13h. Sair para onde quiséssemos, fazer o que quiséssemos.

– Um mundo de possibilidades! – Maria exclamou, a boca aberta em surpresa. Era meio dia e já havíamos feito tudo o que há pra ser fazer dentro da escola na hora do almoço. Isto é, comer, ir ao banheiro, escovar os dentes e tomar água. – Pelo menos um mundo em uma hora... O que você quer fazer?

– Não sei. Não tenho vontade de fazer nada. – e era a pura verdade. Nem ânimo para as aulas da tarde eu tinha. Ela revirou os olhos.

– Hoje ainda é o primeiro dia de aula e você já está assim? – bufou. – Imagine quando estivermos em época de provas, ou no fim do ano. Você tá cada vez mais carrancudo, Luiz.

Não duvidava. Quanto mais tempo eu passava dentro da escola, mais irritado eu tendia a ficar. Só de pensar que teria de ficar por ali até quase três da tarde minha energia se esvaia. Sabe aquela história de sofrer por antecipação? Pois é. Talvez meu maior mal.

Aprendendo a Gostar de Garotos {Aprendendo I}Onde histórias criam vida. Descubra agora