Fevereiro III

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A primeira semana foi de adaptação pra todo mundo. As aulas a tarde eram uma novidade estressante. Ninguém estava acostumado a almoçar e voltar para a escola. Boa parte queria era ir pra casa dormir, tenho certeza. Mas, como minha mãe gostou de me lembrar, os tempos agora eram outros. Outras responsabilidades, outros sacrifícios.

– Você acha mesmo que estudar em período integral durante o ensino médio inteiro faz alguma diferença na hora do vestibular? – eu perguntei, sincero, pra ela.

– Claro que faz! Quanto mais tempo você passa em contato com a matéria, mais você aprende, memoriza, essas coisas! – ela ficava chocada com as coisas que eu indagava, eu podia ver pelo semblante dela. – Não é como se você fosse absorver tudo por osmose, como dizem, apesar de o certo ser “difusão”.

Fiz uma careta tanto pra ela quanto para o prato de couve-flor que ela colocava na minha frente para o jantar.

Eu não acreditava nisso de nos aprisionar no ensino por mais tempo, mesmo porque parecia não estar dando certo. As únicas tardes em que todo mundo ficava visivelmente em alerta eram as de terça-feira e de quinta-feira, quando o último horário era preenchido pela Educação Física.

Tínhamos a opção de escolher entre vôlei e futebol, e as meninas ainda podiam fazer ginástica olímpica com a mulher do professor de Educação Física na casa deles mesmo, pois contava como atividade curricular. Poucas delas escolhiam isso – só as que queriam ficar afastadas da escola, as mais sensatas, digamos. As que eu queria ver bem longe ficavam por ali como urubus.

Era a hora em que todo mundo tinha que se misturar, querendo ou não. E era a hora em que eu e a Maria tínhamos que nos separar, já que de jeito nenhum ela jogaria futebol. Não era nada separado, as meninas podiam jogar com os meninos, mas ninguém se atrevia. Elas presavam demais as canelas. Já dependendo do humor de certos garotos, os times de vôlei ficavam bastante cheios.

O que era certo é que havia um time de onze jogadores oficiais e eles não desgrudavam da quadra de futebol, então sempre havia um jogo acontecendo. Para nossa incrível sorte, a ideia de separar as três classes não funcionava na hora da Educação Física e, de novo, éramos cerca de setenta adolescentes juntos, gritando, correndo, esperneando atrás de bolas em quadras de cimento sob a supervisão de um professor e dois monitores. Um verdadeiro caos com hormônios.

Eu sou péssimo em esportes em geral, mas esportes em grupos, equipes, eram ainda piores. Para me polpar da humilhação que seria levar uma bolada na cara, eu escolhia o futebol pelo simples motivo de ter praticado a minha vida inteira e saber ligeiramente como ficar fora do caminho da pelota. Sabe, o mínimo de contato possível, só o suficiente para passar os cinquenta minutos sem levar uma bronca de algum dos monitores ou do professor.

Às vezes funcionava, às vezes não. Nas primeiras duas semanas funcionou bem até. Como era muita gente e eles não estavam acostumados com aquilo, todo mundo ficava meio solto, tranquilo. A Maria conseguiu escapar de várias partidas inclusive, sentando na arquibancada da quadra de futebol junto de outras pessoas que tinham obviamente o mesmo objetivo. Mas assim que se deram conta de que precisavam de organização, a gente viu a estratégia falhar miseravelmente.

Fomos divididos em pequenos grupos de quinze a vinte pessoas. Na parte do futebol, eles fizeram questão de dividir os sete populares, o que achei bastante bom, diga-se de passagem. A ideia era misturar os times, apesar de eles ainda fazerem parte do “time oficial”. Eles treinariam quando bem entenderem, quando tivesse algum tipo de competição e tal, mas na aula mesmo teríamos todos que formar “novas alianças”... ou forçar seria uma palavra melhor. Fiquei preso num grupo com uns dez caras da terceira turma do primeiro ano, alguns do segundo, entre eles o Daniel, e só eu do primeiro, o que era ao mesmo tempo constrangedor e aliviante. Afinal, eu estaria longe dos outros que passavam o resto do dia ao meu lado, não precisava de mais uma aula de convivência forçada, não formaríamos nenhuma aliança, só incitaríamos novas brigas.

Aprendendo a Gostar de Garotos {Aprendendo I}Onde histórias criam vida. Descubra agora