Não Pule!

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Com quem você dividiria sua última xícara de café?

Rodrigo não pensou em ninguém além de si mesmo. Sua morte podia esperar mais um pouco. Tudo pode esperar um café.

Talvez ele não estivesse indo pelo café, mas sim pela garota que o serviria.

Enquanto ele enfiava-se dentro do seu moletom preto, pensava sem parar no destino que o esperava. Tudo estava em ordem. Passara o dia anterior afogado nas próprias lágrimas enquanto despejava em uma folha de papel tudo que havia restado em si, algo que o vazio não fora capaz de apagar. O uísque entrava e os sentimentos saiam. Pedidos de perdão dedicados a seus pais e irmão. Pediu perdão por ter falhado com eles, por ter fracassado na vida, por ser um merda tão grande que nem os medicamentos podiam ajudá-lo.

Pediu perdão por ser um fardo a todos da família. Pediu perdão por não ser o herói que seu irmãozinho esperava.

Acordou com a garganta seca, vestiu-se rápido e dispensou o banho, assim como fizera nos últimos dias. Colocou a carta do dia anterior na mesa de centro e escreveu um pequeno bilhete que ficou pendurado por um ímã em sua geladeira.

Talvez não precisasse apodrecer no fundo daquele rio, talvez o tratamento funcionasse, caso ele tentasse de novo. Ou sua dor poderia terminar para sempre e sua alma poderia encontrar misericórdia.

Em pensar que tudo começou com uma indisposição boba na hora de sair com os amigos, essa aflição se amplificou com as cobranças do vestibular, estendeu-se até a convivência com sua família e chegou até o ponto que estava agora. Seus problemas viraram uma grande bola de neve.

Caminhou até a lanchonete que frequentava há tempos, onde enchia a cara várias vezes por semana para tentar, em vão, silenciar a dor.

Um sentimento estranho lhe corroía e instigava ao mesmo tempo. Estava chegando a hora... O show final.

Enquanto Ramona limpava a mesa próxima à janela lateral da lanchonete, via o cliente fiel se arrastar para o estabelecimento. Ele já fora mais do que um cliente para ela. Se falavam, eram amigos, até que não eram mais nada.

"Uísque até às seis", pensou. Pois já era comum que o homem fizesse aquele pedido e bebesse até aquele horário. Ramona se perguntava como alguém tão jovem podia ser tão desleixado. Ela sabia que ele tinha uma boa condição financeira e cursava direito, pois já tinha trocado algumas palavras com o rapaz e escutado outras.

Certa vez, Rodrigo pediu um suco de maracujá para ela, quando a mesma estava em horário de descanso, rabiscando algumas poesias sem importância.

"Você escreve bem, deveria publicar um livro". A moça riu. Não possuía talento, muito menos dinheiro para tal feito. Mas aquela ideia lhe ocupou a cabeça por dias, até que criou seu próprio blog de poesia.

"Aqui está, agora eu tenho um blog", disse enquanto entregava para o rapaz um guardanapo de papel com seu endereço virtual escrito.

Depois daquele dia eles nunca mais se falaram. Rodrigo afastou-se de todos e a garota não foi exceção. Ele ainda a acompanhava na internet por curiosidade, mas precisava cortar laços se queria mesmo continuar com seu plano.

- O que vai querer? - Ramona indagou com ar profissional, assim que Rodrigo sentou-se.

- Uma xícara de café com bastante creme.

A moça disfarçou a surpresa e foi buscar o pedido. Notou as olheiras e o cabelo ensebado do homem, também notou a perda de peso... Não que estivesse interessada em alguma coisa sobre aquele rapaz que se tornara rude, ela dizia a si mesma que não se importava. Também tinha problemas e deveria se preocupar com os dela.

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