NOVE

22 6 24
                                    

23h 47m

No banheiro, ela bebeu água da torneira e depois jogou no rosto. Encarou - se no espelho - aquela poderia ser a última vez, não é mesmo? Uma garota negra, esguia e atlética. Ela observava seu reflexo, e finalmente parecia não estar mais se vendo de verdade. Seus olhos esverdeados e agora tensos eram a única herança que seu pai lhe deixou, antes de partir para algum lugar nos quintos dos infernos. Não, talvez ela não o visse mais. Talvez não reconhecesse a semelhança que tanto haviam lhe falado através dos anos. Fora criada pela mãe e pelo padrasto, os quais ignorava os telefonemas diários, Bons amigos, boas namoradas, bons estudos. E agora estava ali, naquela casa, prestes a enlouquecer,  levada por suas próprias pernas. Melissa entrou no quarto de uma vez. A primeira coisa que observou foi onde estava Abigail. A garota parecia dormir agora, em um sono profundo.

- Abigail? - perguntou ela, com uma voz levemente trêmula. A menina abriu os olhos e voltou o rosto em sua direção.

- Moça, o que está fazendo com essa arma na mão? Onde eu estou?

- Como assim?

- E-Eu não entendo. Não lembro do que aconteceu, o que houve? - A garota agora falava com sua voz normal. Seus olhos haviam voltado à cor de sempre. Melissa ligou o interruptor. A adolescente parecia assustada. Ainda assim, a outra se aproximou com a arma apontada.

- O que está acontecendo, moça? Vai me matar? Você matou todo mundo? Mamãe!

- Não.

- Como não? Estão todos no chão, caídos, papai, mamãe! E você... Você está segurando uma arma!

Melissa ficou confusa. Segundo as histórias que tinha ouvido, e segundo o que Nelson mencionou vagamente, talvez aquela fosse realmente Abigail e seu corpo ainda não havia sido dominado por completo. A garota tentou levantar.

- Não. Fique onde está, ou eu atiro! Você realmente não lembra de nada que aconteceu aqui?

- Eu não sei do que está falando, moça. Eu lembro que hoje de manhã tive que fugir lá de casa, pois meus pais estavam dizendo que eu estava com uma coisa ruim, mas não foi minha culpa. Meus pais são pessoas muito religiosas, mas chegaram ao extremo. Então fugi para cá, pois é um lugar que eu sempre venho, fico lá no sótão quando a porta está aberta. Vi que tinha alguém aqui, e achei que era outra pessoa. Ainda assim, resolvi pedir para entrar, mas percebi que o carro era outro, e não o daquele rapaz... Tarado.

- Você está se referindo ao Antônio? - estranhou a mulher.

- Sim, claro. Mas não se assuste. Acho que gosto dele. Ele às vezes me dá dinheiro e me pede para fazer coisas sujas... Bem, não é só culpa dele, eu sei. eu vou...

- Certo, fique na cama. Vou até aí.

Melissa se dirigiu até a cama, chegou em frente ao pastor e notou sua chave, em sua calça, presa ao cinto. Lá estava sua única forma de fugir daquele nefasto lugar, mas no momento ela estava impressionada demais com as palavras e a situação da menina. Será que, de alguma forma, ela havia sido deixada em paz pela maldita entidade? E qual fundamento tinha aquela história com Antônio?

- Você parece normal - disse ela sentando na cama. Antes, Melissa havia reparado as cordas que haviam servido para amarrá-la, no chão. E pegou - as, logo depois de encostar a espingarda na parede.

- E essas cordas, moça?

- Depois eu explico tudo. Bem, se você me confirmar que não sente nada, e que vai me deixar te amarrar, eu juro que te levo daqui, O. K.?

- Me amarrar?

- Sim. O que aconteceu aqui é algo que eu não sei como explicar agora, mas prefiro fazer isso quando estivermos bem longe daqui. Temos que sair agora, pois já é quase...

Banho De Sangue - Um Conto InfernalOnde histórias criam vida. Descubra agora