Capítulo 6/ Pesadelo

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Christopher

Eu vejo a chuva batendo contra o vidro do carro e escorrendo até as beiradas. Uma sensação de déjà-vú me invade. Eu já vivi aquilo antes e inúmeras vezes. Reconhecia cada detalhe — o cheiro da terra molhada. Meu pai dirigia seu mustangue com um sorriso estampado em seu rosto, mamãe bem ao seu lado, seus cabelos naturalmente loiros despontando pelas abas de seu chapéu.

Oh Deus! De novo não!

Era o momento de me sentir assoitado por lembrança nas quais queria esquecer. Mas era pego quando estava  vulnerável, como quando dormia. Desde que o acidente aconteceu a cena se repetia em um pesadelo constante. Sei que todos temos sonhos ruins e bons também, mas o mesmo sonho todas as noites á vinte anos é bastante assustador.

Você ouviu certo. Vinte anos.

— Estamos chegando?— perguntei me enfiando entre os bancos da frente.

— Christopher nem faz um minuto que perguntou da última vez. Sente-se e espere. Logo chegaremos.

Minha mãe sorriu docemente para mim. Ela era calma, mesmo quando eu era o mais pivete e insuportável possível. Contrariado sentei novamente no meu banco e bufei e os braços cruzados ao peito.

— Logo chegaremos — arremedo irritado. — você me disse isso várias vezes, e nada de chegar nesse lugar.

Fui ignorado.

— Quer brincar comigo?— perguntou Marie ao lado.

Ela estendeu uma boneca a metros do meu rosto me fazendo afastar um pouco quando o cabelo sintético quase me fez espirrar.

— Não!

Eu era um garoto e como em todos ensinamentos, machistas obviamente, nenhum homem ou garoto, jamais, nunca mesmo, poderia brincar ou usar produtos feitos especialmente para as meninas e vice-versa e eu seguia essas regras com bastante apreso. Nunca brincaria com aquela boneca, de certa forma, me trazia medo.

— Chato — resmungou minha irmã, fazendo beicinho.

Marie tinha seis anos apenas quando tudo aconteceu e estava como me lembrava. As tranças bem presas em sua cabeça os laços vermelhos ás pontas prendiam, ela usava um vestidinho de flanela azul marinho, meias brancas e sapatilhas pretas. Desde muito nova era vaidosa, adorava usar laços e vestidos. Não seria surpresa alguma se meus pais a amassem mais do que eu, nem mesmo para mim, sentia certa inveja e anciava por ser filho único.

Eu era um menino egoísta. Mas assim que quase a perdi e fiz com que seu sonho de ser bailarina se tornar algo bastante distante me tornei seu protetor e vê-la tão vulnerável me deixava triste. Era tudo culpa minha.

Um minuto para mim parecia horas e a viagem uma eternidade massacrante. Ficar sentado por muito tempo no banco alcochoado deixava meu traseiro dolorido. Olhei para frente e a calma com que meu pai falava de seu trabalho me deixava ainda mais fatigado. Eu quiz gritar — mais de uma vez. Era horrível a situação. Me sentia preso em um universo confinado.

— Não devíamos ter esperando a chuva parar um pouco. Está caindo canivetes no céu — disse mamãe com a voz apreensiva.

Meu pai olhava para frente, ereto e inabalável. Victor Uckermann não se importava com a chuva lá fora e para ele um temporal não seria capaz de fazê-lo recuar, iria enfrentar qualquer barreira para onde quer que estivéssemos indo.

Queria eu ser paciente como mamãe e Marie ou destemido como papai.

— Não se preocupe. Tenho tudo sobre controle — se tirar os olhos da estrada. E ele não tinha nada ao seu controle. Eu tinha.

Now (Vondy) Livro 1 - Original VondyOnde histórias criam vida. Descubra agora