Juliano chegou à sua casa com um ar extasiado. Sua alegria manifestava-se sobre forma de ansiedade, de modo que ele calcava de um pé para o outro, na impossibilidade de com parcimônia, ficar estático sobre os dois pés.
Lucrécia ao observar a energia transbordante do marido falou:
_Ju, pelo amor de Deus, o que está acontecendo?
Juliano dispensou as palavras e contentou-se em levantar com suas mãos, uma caixinha de música, com uma bailarina metálica. Com um rápido movimento dos seus membros, abriu o recipiente. A esta abertura uma música instrumental começou a soar.
Lucrécia não ligou os fatos, e continuou sem entender o motivo de tanto alarde.
Juliano percebeu a incompreensão da esposa, por isto fechou a caixa e transmitiu com suas palavras a informação que até então havia deixado oculta.
_Eu comprei isto para Lourdes. O que você achou?
Sua mulher inibiu-se ao constatar a felicidade de Juliano, mas isto não lhe foi suficiente para esconder suas preocupações.
_O que foi amor, você acha isto precipitado? – disse Juliano.
Lucrécia não mais escondeu os seus temores:
_Na verdade, eu acho um pouco. Amor, uma psicóloga do grupo de adoção me ligou, ela disse se interessar imensamente pelo o nosso caso.
As linhas de expressão de Juliano de tão esticadas pela tensão, passavam quase despercebidas. Sua feição mostrava concentração e curiosidade, mas ainda que as palavras da mulher não fossem as que desejava ouvir, não demonstrou em seu rosto sinais de raiva.
_Ela disse que não devemos nos colocar na vida de Lourdes abruptamente. Ela disse que o psicólogo tem uma função importante no processo de adaptação da criança com os pais adotivos.
Com a curiosidade lhe levantando a língua, Juliano formulou sua pergunta:
_E qual seria esta função?
_A de intermediador.
Desta vez a expressão de Juliano se transmutara, personificando com as linhas riscadas de seu rosto um grande ponto de interrogação.
– Deixa que eu explico. A criança precisará entrar em contato com um terapeuta, e é ele quem se encarregará de nos ajudar a entrar na vida de Lourdes. Existem etapas importantes até que a criança esteja pronta para ser nos ser apresentada.
_Entendo. É que podemos vacilar pelo nosso excesso de expectativa não é meu amor?
Lucrécia assentiu com a cabeça.
_Também. Mas tem mais coisas; por exemplo, a psicóloga me disse que frente a nossa recente descoberta, da nossa impossibilidade de concebermos uma criança.... Bem, frente a isto, nós não temos a preparação necessária para saber lidar com as ambivalências de sentimento que Lourdes terá em relação aos pais adotivos.
Juliano não teve certeza se entendeu. De certa forma aquelas palavras intelectuais faziam-lhe sentido, e pareciam se encaixar propriamente no contexto no qual viviam, mas aquilo tudo era novidade para ele, um engenheiro acostumado a manipular planilhas, a implementar soluções materiais para problemas matemáticos, de aplicações concretas.
_Eu não tenho certeza se compreendi amor.
_É que, meu bem, você sabe que Lourdes levará tempo para se acostumar conosco não é?
_Tenho o perfeito entendimento disso Lu.
_Então, a criança nutrirá por nós sentimentos duplos, de amor e raiva. Com a nossa dedicação tenho certeza que ela virá a nos amar, mas no começo deste processo, enquanto ainda não a ganharmos, ela nutrirá para conosco sentimentos também de raiva e revolta.
Juliano podia não ter conhecimentos amplos a cerca dos pensamentos humanos, mas isto que Lucrécia lhe falava agora, já havia permeado antes, os seus pensamentos noturnos. Ele se pronunciou:
_Então meu bem, a psicóloga será essa ponte que nos permitirá atravessarmos os primeiros momentos de estranheza e também, será esse ponto de descarga, forte e estruturado, que pelo profissionalismo conseguirá gerenciar os sentimentos negativos envolvendo o processo de adoção?
Sua mulher sorriu pela inteligência apurada do marido.
_Sim meu bem, é isto.
Juliano permaneceu desta vez com os pés bem fincados ao chão. Deu passos terreamente aplainados sobre o solo, e depositou o brinquedo que tinha nas mãos em cima da estante da sala de estar. Haveria o momento em que poderia contemplar os olhos de sua futura filha e com esta visão a frente, entregar-lhe todos os mimos que já começava a colecionar para ela.
Agora olhando bem para a estante, aquele brinquedo envolto em uma caixa preta com decoros graciosos a lhe enfeitar, encaixavam-se como complemento as prateleiras amadeiradas. A casa de tons rústicos e discretos iria, pouco a pouco, ganhando um novo corpo, à medida que as delicadezas da infância viam-lhe preenchendo de novos desenhos e sonhos.
p>ww<
VOCÊ ESTÁ LENDO
Assunto de Crianças
RomansaUm casal harmônico. Ele engenheiro, ela professora. Tudo flui, menos o pequeno obstáculo da esterilidade do casal. Entre conversas e pensares, Lucrécia e Juliano começam uma caminhada na direção da adoção, mas as coisas não serão tão simples assim...