Contos sobre a Vida

Uma Lição sobre Jardinagem

Domingo ensolarado. Havia um almoço da Família Flores. Pedro estava ao longe, observando a interação de todos, enquanto terminava seu copo de cerveja. "Realmente, famílias são formadas por elementos muito diferentes!", concluía ele, sem tirar os olhos do filme vivo que presenciava, cujos protagonistas eram seus pais, tios, primos e avós. O sítio da família era propício àquele gênero de reunião, pois ao mesmo tempo que dispunha de instalações acolhedoras e mesas grandes para receber à todos, o espaço externo convidava os familiares à exploração e ao contato com a natureza, a fim de estreitar os vínculos e ter um momento relaxante. Após finalizar o copo, Pedro se dirigiu novamente ao isopor da cozinha, que encontrava-se cheio de bedidas, sem deixar de alimentar as reflexões sobre o grupo no qual nasceu: "Nós parecemos uma reunião de diversas espécies, que dividindo o mesmo espaço conseguem conviver quase sempre em harmonia". Pedro pensava e pensava, e sem perceber começou a categorizar os elementos que encontrou naquele espaço de confraternização:

Viu figuras mais "rígidas e disciplinadoras", exemplificadas pelo seu Pai, porém, em contrapartida, notou a presença dos famosos "bobos da corte", que fazem piadas (algumas vezes BEM RUINS) com tudo e com todos, representados pelo seu tio João;

Esbarrou com os "lobos solitários", personificados em sua prima Elisa, que "entram mudos e saem calados" caso ninguém fale com eles e algumas vezes parecem ter seu mundo particular, mas, para contrabalanceá-los, aparecem os "super comunicativos", como sua tia Rosália, que se interessam por todo tipo de questão e algumas vezes impressionam por sua capacidade de dialogar por longos períodos;

Olhando para seu avô Alfredo reconhecia o grupo dos "politizados", que de tempos em tempos se exaltam dando origem à discursos inflamados sobre seu ponto de vista, e, à mesma mesa, observou sentados outros seres mais indiferentes, os "politicamente apáticos" que estão longe de se afligir por qualquer tópico que diga respeito à política e ao exercício da cidadania de forma geral;

Há ainda na família Flores a categoria dos "bem sucedidos" para os quais tudo parecia sorrir, seja no campo profissional, esportes ou relações afetivas. Esse era o caso de Otávio, que sempre era tomado como exemplo nas reuniões de familiares quando se queria fazer menção a algo positivo: "Vejam o Otávio, ainda vamos ouvir falar muito dele!". Pedro, por sua vez pertencia ao grupo dos "azarões" , que apesar de às vezes serem muito esforçados, estavam sempre às voltas com reveses nos empreendimentos, além de permanecerem em longas indecisões frente à qual novo caminho seguir.

"Pedro, aproveitado que está aí, pode pegar uma latinha pra mim também?"

"Claro, Otávio! mas não vá beber demais! Não quero ter que limpar sujeira de ninguém mais tarde!", disse Pedro, lhe estendendo uma lata das cervejas disponíveis.

"Muito engraçado! Está parecendo o tio João! Eu estou falando do refrigerante! Você sabe que não bebo, bobão! "

"Nunca é tarde para levar alguém para o bom caminho!"

"Agradeço a intenção, pirralho, mas dispenso!"

Ambos os primos riram divertidamente e se encaminharam novamente à mesa de refeições. A relação de Pedro e Otávio, este último quatro anos mais velho, sempre foi muito boa. Embora nunca demonstrasse, Pedro construiu ao longo da infância uma crescente admiração por Otávio, que passou a ser uma espécie de espelho para suas ações. Tal admiração talvez tenha se iniciado pela diferença de idade e pelos comentários, sempre brilhantes, que sua família entoava a respeito de seu primo.

Mais de uma vez, quando em meio a alguma indecisão, se Otávio demonstrasse simpatia pela ideia que Pedro estava mais inclinado a seguir, isso dava ainda mais força à escolha; em contrapartida, se o contrário ocorresse, a insegurança reinava.