Bilhete Anônimo

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Não era a primeira vez que visitava aquela universidade. Era a terceira para ser mais exato. Na posição de professor, apesar de jovem para o cargo, já liderava o grupo de pesquisa pelo qual sou reconhecido hoje, grupo esse que estuda a relação entre processos inflamatórios e obesidade. Em virtude disso, com certa frequência sou convidado para oferecer palestras sobre o meu trabalho ou para participar de bancas em defesas de monografias, dissertações ou teses. Escrevo esse texto porque precisava registrar alguma maneira a experiência que tive em uma segunda feira nublada, há alguns anos atrás. Não escrevo para falar de ciência.

Ao meu ver aquela segunda feira estava esquisita por dois motivos: o primeiro é que estava frio e não gosto muito de temperaturas mais baixas, pois me forçam a usar roupas mais pesadas; o segundo, é que estava triste. Hoje compreendo que o motivo da tristeza era a não aceitação das minhas limitações. Uma espécie de "pirraça" moral, que me fazia brigar com a vida quando acontecimentos não se desenrolavam conforme o planejado por mim. Muitas vezes me sentia mal comigo, pois na ilusão de controlar o que estava acima das minhas forças, me julgava profundamente incapaz quando não conseguia êxito. Atualmente entendo que é simplesmente inútil gastar energia com certas coisas e me ocupo apenas com aquilo que é viável às minhas possibilidades reais. Entretanto, foram preciso alguns anos para que compreendesse isso e aprendesse a separar uma coisa da outra, habilidade que me poupa muito estresse e ansiedade vãos.

Mas naquela segunda feira, ainda imerso na inexperiência, me sentia um "lixo", uma vez que meu "joystick" para o "jogo da vida" parecia falhar. Perdi a conta de quantas acusações me fiz naquele fim de manhã, antes de adentrar o auditório. Apesar do aperto no estômago característico das minhas autocobranças, consegui me controlar para fazer a palestra de forma satisfatória. Após o término, conversei um pouco com membros da plateia e me despedi. Tinha um outro compromisso à tarde e não daria para almoçar calmamente com meus anfitriões, como gostaria. Antes de ir ao meu carro, parei em um quiosque do lado de fora do prédio, para "enganar a fome" com algum lanche rápido. Observava os transeuntes, acompanhado de pensamentos repletos de desânimo.

Quando estava prestes a terminar meu sanduíche, notei que um papel dobrado ficou na cadeira após um rapaz levantar. Ele se afastou rápido. Apressei-me em ir na direção do papel, a fim de entregá-lo ao dono, mas antes que pudesse dizer "Espere!", me surpreendi com o que encontrei. O papel dizia "Abra-me =)". Abri e encontrei a seguinte mensagem:

"Você é incrível, sabia? E não tô falando de coisas conquistadas. Você é sem igual pelas experiências que teve ao longo da vida, pela sua forma de sentir ver e o mundo. As pedras são ditas preciosas porque são raras, e como você, existe apenas você! Valorize isso! E ainda pode realizar tantas coisas... um mundo de forças aí dentro esperando só o seu chamamento. Não deixe que ninguém ou qualquer situação te faça pensar o contrário! É mentira! Cada momento novo, uma oportunidade nova de crescer e apostar cada vez mais em si mesmo. O que passou, passou, mas aquilo que vem à frente, esse sim podemos transformar, começando pela nossa maneira de encarar as coisas, e isso inclui nós mesmos. Acredite em você!

Te desejo todo amor e felicidade do mundo pelo simples fato de você existir.

Grande abraço."

Incrível como aquele bilhete sem assinatura, escrito de forma simples, se encaixava com meus pensamentos. Ele não solucionava as coisas que eu considerava como problemas, mas me fez bem, pois foi um consolo inesperado para minha aflição. Uma interrupção na aridez dos meus pensamentos, que me permitia respirar ar mais leve.

Fui atrás do rapaz, que estava sentado no banco de um outro quiosque, um pouco mais afastado. Pondo a mão no ombro daquele jovem, perguntei, mostrando o bilhete:

"É seu?"

Ele me olhou um tanto assustado, sem responder. Eu continuei:

"É seu? Vi que ficou no banco quando você levantou..."

"Não é mais meu. Agora é seu..."

Embora tenha esboçado um sorriso, ele foi se levantando, como se estivesse fugindo de mim.

"Espera... gostei muito do que li. Obrigado, pois acho que precisava disso hoje. Por que escreveu esse bilhete e para quem era?"

"Não era para você ter me visto largar o bilhete... Escrevi porque estou triste. Quando sinto tristeza, gosto de oferecer alegria para alguém, qualquer um... isso me faz bem!"

"Não sei se entendi.. como exatamente isso te ajuda com os seus problemas?"

"Não é exatamente aos problemas que pretendo modificar, mas sim minha forma de encará-los. Vou tentar explicar com o jardim aqui do lado. Se você olha apenas para uma planta, ela se torna a referência para você. Mas se você olha em volta, vai notar que tem plantas maiores, menores, com cores diferentes. Certo?

"Ok..."

"Então... se você olha só para o seu problema, ele parece o mais tenebroso do mundo, insolucionável, pois apenas ele existe. Porém, se olhar em volta, vai ver que tem pessoas passando por coisas que você consideraria similares ou piores se acontecessem contigo. Quando ajudo alguém, quando ofereço palavras de ânimo, não desce nenhuma luz do céu para resolver minhas questões... é mais simples que isso. É que notar a diversidade das dificuldades e a partir disso estancar uma lágrima ou arrancar um sorriso, traz um sentimento agradável, que me incita a refletir sobre tudo. Acabo, por fim, ressignificando minha interpretação sobre os fatos e paro de superestimar minhas tribulações. Dou a elas o justo valor. Nem mais, nem menos. Eu me realizo um pouco na felicidade dos outros e, mais lúcido, ganho energia para partir em busca da minha própria. Por isso, criei para mim o seguinte lema: "Para cada mágoa, uma boa ação". Que pode ser um sorriso, um bom dia sincero e, com frequência, bilhetinhos como esse que você achou."

"Para cada mágoa, uma boa ação?... que interessante."

"Gostou? Espalhe essa ideia por aí... imagino que vai fazer muito bem a você e a outras pessoas também. Pelo menos no meu caso tem ajudado bastante. A gente pode ser muito útil e nem suspeita... é que de maneira geral gastamos mais tempo reclamando do que agindo. O que fazer a respeito? Como dizem por aí: sejamos nós a mudança que queremos ver no mundo. É surpreendente o quanto de bem essa atitude pode fazer aos outros, mas PRIMEIRAMENTE A NÓS. É tudo uma questão de sair um pouco de si mesmo..."

Um grito nos interrompeu: "ANDRÉ! VEM LOGO! A AULA DE FISIOLOGIA VEGETAL VAI COMEÇAR!!!". O rapaz se despediu:

"Preciso ir, minha aula vai começar. Fique em paz."

"Boa aula e mais uma vez muito obrigado! Espero que tudo se acerte para você também!"

"Obrigado!"

O rapaz entrou no prédio. Apesar de ser meu, deixei o bilhete no mesmo local que o encontrei, imaginado quem o acharia. Saí do local reflexivo e assim permaneci por alguns dias. Eu era professor, mas aprendi muito com aquele rapaz de no máximo 20 anos. Uma perspectiva diferenciada sobre como lidar com os problemas, não apenas no campo das ideias, mas agindo. "Para cada mágoa, uma boa ação". Tal foi o lema que adotei há alguns anos atrás, numa segunda feira nublada.

Yohanan

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