Equilíbrio sobre Duas Rodas

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Quem quer que passasse pela "Cafeteria do Tom" , em um famoso bairro do Rio de Janeiro, poderia observar pela vidraça uma moça que lá ia tomar seu cappuccino todo final de tarde. De semblante confiante e calmo, costumava saborear com tranquilamente cada gole da bebida. Rabo de cavalo curto, nenhuma maquiagem e brincos discretos. Calça jeans e camiseta. Era assim que ela costumava se apresentar àquele compromisso quase religioso, trocando olhares simpáticos e curiosos com toda a paisagem à sua frente, de pessoas a edifícios. Entretanto, naquela tarde de outubro, havia algo diferente nessa jovem. Um pouco mais rápida, um pouco mais desatenta e talvez chateada. De cabelos soltos, blusa de botão, com seu copo deixado de lado, a esfriar, ela debruçava-se sobre o celular. Seu pé direito batia repetidas vezes no chão. Parava. E tornava a bater.

Em um desses aplicativos de mensagem, ela escrevia:

"Como isso é possível?? Já estou cansada disso!"

Assim Rebecca se lamentava com Josias, seu namorado, que procurava acalmá-la e levantar-lhe o ânimo, porém sem sucesso, devido à decepção ainda muito recente.

"Rê, pensa, isso não é o fim do mundo. Você é competente e vai conseguir mostrar isso em outras oportunidades, que certamente não faltarão..."

"Arrrrrrg!! É inadmissível... como eu ainda dou umas falhas como essa?? Pura falta de autocontrole!"

Rebecca era graduanda. Estava cursando química, 5º período, e era uma espécie de "queridinha" dos professores. A moça acabou naturalmente cativando seus mestres em virtude de seu esforço, capricho, vontade de aprender e desempenho. Sua turma tinha visão similar a seu respeito, o que às vezes lhe tornava alvo de alguns gracejos, os quais alternavam entre o incentivo e o mau gosto: "Quando ganhar o Nobel não esquece dos amigos", "Quando a Rebecca sai com o namorado, saem ela, ele e o Solomons1", "Pra saber mais de química orgânica que a Rebecca, só sendo a própria química orgânica", dentre outros. Nem tudo Rebecca gostava de ouvir, mas aquelas brincadeiras que eram positivas, bem como os elogios dos professores, acabaram criando todo um contexto de expectativas. "Rebecca é isso", "Rebbeca é aquilo". Por ingênua distração, Rebecca se deixou contagiar pela imagem impecável construída a seu respeito e assumiu o ingrato compromisso de mantê-la, criando para si uma atmosfera de ansiedade, que se intensificava até mesmo nas situações mais simples. Porém, a moça era ignorante de todo esse processo que a aprisionava e distanciava da sua realidade. Passou a viver, então, cultivando acentuado medo de decepcionar toda a multidão que a seguia. Decepcionar a eles, e depois a si própria, por não atender às expectativas que tomou para si como verdades.

Muitos invejavam o "status" conquistado pela moça. No entanto, iludidos pelas aparências dos holofotes, ignoravam os dramas vivenciados por ela. Naquele dia havia uma espécie de "congresso" na universidade, com apresentações de diversos trabalhos, oralmente ou sob a forma de painéis (também conhecidos como pôsteres). Rebecca faria a apresentação oral de seu trabalho às 15 horas. Fez duas prévias no laboratório de pesquisa ao qual estava filiada, fazendo as modificações que seu chefe e seus colegas sugeriram após cada uma delas. Não havia mais o que alterar. Tudo estava preparado!

Pouco após a hora do almoço, pelos corredores, Rebecca foi abordada por um dos seus professores da graduação:

"Rebecca, vou ver você apresentar hoje! Chamei uns alunos e um outro professor amigo meu. Espero que não se incomode. Ah... mas você tira essas coisas de letra! Já vi outras apresentações suas! Vai dar tudo certo!"

"Não sei se acho essas coisas tão simples assim, mas obrigada por ir me prestigiar, Professor Henrique! E não tem problema ter chamado mais pessoas. É até melhor por ser possível discutir mais os meus dados. É sempre bom ter contato com outras perspectivas!"

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