A sensação

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Antéria,
2 de Dezembro de 1546
Lucius Ganner




Ela conseguia me deixar atordoado apenas com um olhar, mas eu não podia fraquejar, nem me iludir por um rosto bonito. Tinha responsabilidades demais, para poder me permitir sentir alguma coisa por ela.


Quando me agradeceu eu não consegui ser gentil. Preferi deixa-la partir. Era mais fácil que fosse assim.

Não podia criar laços com uma mera desconhecida, e por maior que tivesse sido minha empatia, ela não passava disso: Uma desconhecida.

Juntei minhas coisas e tentei ir para casa sem me sentir responsável por ela, afinal minha família me esperava. As únicas mulheres que deveriam importar.

Tinha caminhado por meio quilômetro quando vi o céu escurecer e uma tempestade anunciada vir ao meu encontro. Sabia que ela se perderia na escuridão ou que seria capturada por algum salteador. Decidi ir atrás dela. Não era o mais sensato, mas me pareceu ser o certo. Meu pai tinha me ensinado a nunca permitir que a razão ultrapasse o coração. Justifiquei cada passo com a ideia de que ele faria o mesmo por qualquer um em meu lugar.

Não foi difícil seguir seu rastro, mas estava feliz por vê-la antes que a chuva caísse. Não permitiria que ela percebesse tal sentimento, mas era impossível ignorá-lo.

- Preciso que venha comigo - disse a ela quando a alcancei.

- Não vou a lugar algum com você! - disse rispidamente com um olhar raivoso.

- Vê aquelas nuvens escuras vindo em nossa direção? - perguntei apontando para elas. - Logo estarão aqui e tornarão impossível enxergar o caminho!

- E porque eu confiaria em você?

- Não precisa confiar, só precisa me seguir - respondi indicando o caminho.

-Você não entende! Não temo por minha vida - disse segurando as caças presas em sua roupa. - Minhas irmãs não podem esperar.

- Se seguires em frente não poderei guia-la e saiba que se perder pode ser uma benção em comparação com o destino que poderá estar a sua espreita - respondi dando a ela uma escolha.

Ela fechou os olhos e trincou os dentes como se tivesse lutando sua própria batalha interna. Batalha essa que travei tantas vezes que foi impossível não me colocar em seu lugar.

- Eu irei com você! - disse após um longo suspiro, mas ainda tensa.

Não disse nada a ela, mas no fundo do meu coração estava feliz por sua escolha.

- Juro que a levarei em segurança - disse enquanto pegava suas caças. - A tempestade não demorará a passar.

Ela apenas assentiu com a cabeça, mas de um jeito inexplicável eu a entendia até mesmo no silêncio, era como se aquela estranha estivesse ligada a mim como os cipós que se emaranhavam nas árvores, não deixando espaço para sabermos de onde vinham.

A guiei pela mata rumo à minha casa, e o céu como tinha previsto, mudou repentinamente para um negro sem estrelas, mas isso não me assustava. Conhecia cada centímetro daquela floresta. Cada pedra do caminho era como um amigo silencioso. Estavam sempre nos mesmos lugares e nunca me deixavam só. Por tantas vezes conversei com elas quando não havia nada além dos sons da floresta. Nada além das minhas lembranças dolorosas.

Levar alguém a minha casa, sim era algo assustador. Não saberia como explicar se fosse visto na companhia de uma moça tão bonita. Temia por mim e temia por ela. Tinha medo de manchar sua honra e sabia que para mulheres em sua condição, honra era tudo que lhe restava caso quisesse um futuro melhor.

A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora