Mensageiro

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Antéria,


06 de Dezembro de 1547


Clarissa Wlalker









Não era a primeira vez que sonhava com o caçador. Ele permeava meus pensamentos desde o dia em que o tinha visto saindo da Floresta de Ulric com Sarah.


Alguns dias depois de ela ter voltado, e após acordar de mais um sonho, passei por seu quarto e percebi que a cama dela estava vazia e eu sabia o que aquilo significava.


Eu nunca tinha pensado em um homem daquela maneira, os via apenas como uma extensão de meu pai. Orgulhosos e prepotentes, mas ver Sarah se relacionando com alguém, me fez querer enxerga-los de forma diferente. Não com esperança de me apaixonar, mas como uma forma de me vingar pelo que a mãe dela tinha feito.


Se ela o quisesse teria que competir comigo.


Estava cansada de vê-la ter tudo, mesmo sendo apenas quem era. Não podia dizer em voz alta, mas invejava a pureza em seu coração. Sabia que isso a tornava fraca e na maior parte das vezes infeliz, mas o que restava, o pouco que lhe tinha sobrado trazia brilho ao seu olhar. Ela era amada.


Apesar de tudo que eu sabia que teria esse brilho já não existia mais em mim, talvez ele tivesse sido decapitado junto com a cabeça de minha mãe.


Eu tinha me tornado uma ótima observadora, mas não conseguia confiar em ninguém. Gostava de ter tudo em minhas mãos. Não queria se pega de surpresa. Não me daria ao luxo de passar por tudo que minha mãe tinha passado.


Ela havia sido tirada de mim e a condessa Bowe e todos os nobres que a ajudaram pagariam muito caro por isso. Mal sabiam o que lhes aguardava.


Vesti um dos vestidos de minha mãe. Já estavam velhos e fora de moda, mas eram mais bonitos que os trapos usados pelas moças da aldeia e o olhar de inveja delas já era suficiente para meu deleite matinal.


Aquele era o dia marcado para me encontrar com o mensageiro da duquesa de Noronha. Esperava que ele me trouxesse boas notícias. Precisava me livrar daquela sensação fracassada de inveja, não gostava de me sentir assim.


Caminhei por aquelas ruas poeirentas, tomando cuidado para não ser seguida pelas minhas priminhas irritantes. Elas estavam sempre coladas em mim quando Sarah não estava por perto, agiam assim numa tentativa vã de parecem menos decadentes e miseráveis. Algo impossível aos meus olhos.


Quase esbarrei num monte de feno enquanto caminhava e um camponês bêbado quase me fez tropeçar em excremento de cavalo. Aquilo era tão inapropriado para uma futura rainha que se pudesse teria incendiado toda aquela aldeia e voltado triunfante para o palácio de Werneck. Seria saldada por toda a cavalaria e sairia de uma belíssima carruagem e teria em minha cabeça uma coroa e não apenas ramos de flores como naquele momento.


Recordava-me de todos os detalhes sobre o palácio, e sempre que via árvores altas formando uma passagem, me lembrava de como era a vida antes de ser jogada naquele lugar miserável.


Eu tinha um quarto bonito e servos a minha disposição. Sentia falta da senhora Liandra, de seu carinho e odiava ainda mais o fato de não a terem deixado vir comigo. Quando a condessa Bowe convenceu meu pai de que eu estava louca, não me foi permitido levar ninguém. Ela o fez acreditar que estar com a família pudesse me fazer sentir melhor e que ao lado de minha tia no exilio, minha demência não traria maiores complicações.


Ainda com todas essas lembranças dolorosas permeando minha mente, eu em fim achei a taberna onde o mensageiro estaria e ao entrar não foi difícil reconhece-lo, pois mesmo sem os trajes do castelo, seu cabelo limpo e postura irrepreensível ainda o destacavam dos demais.


Ajeitei meu vestido, minha capa e sentei-me de frente para ele.


- O que tens para mim? - perguntei de cabeça baixa, mas com a postura ereta.


- Vossa alteza real, a duquesa de Noronha, manda dizer a senhorita que vossa majestade, o Rei, está prestes a se casar com ela e lhe dá garantias que após a consumação do casamento, ela fará o possível para revogar vosso banimento - disse em um volume audível apenas para mim.


- O possível? - perguntei pensativa - Mas e Algusth?


- Vosso irmão, o príncipe, continua aos cuidados de seu tio, o conde Hughes e se viver o suficiente, ele ainda será o próximo na linha de sucessão.


Não me alegrava completamente a notícias, mas ainda era mais do que tinha conseguido durante todos aqueles anos. Saber que a melhor amiga de minha mãe estava prestes a se tornar à rainha de Antéria e que estava disposta a me ajudar me deixava mais confiante quanto ao futuro.


- Queres mandar alguma mensagem à Vossa Alteza Real? - perguntou tomando um gole de sua bebida.


- Diga a ela que quero ir ao castelo para travarmos uma conversa pessoalmente.


Precisava ter certeza que ela era realmente minha aliada e que tudo aquilo não me levaria a perder a cabeça como minha mãe. Conspirações eram desfeitas o tempo todo por meu pai. Ele tinha se tornado paranoico e eu não queria correr o risco.


Ele apenas assentiu positivamente com a cabeça.


- E antes de sair quero que pague por meu almoço e que me deixe algumas moedas de ouro para que possa esperar a próxima mensagem da duquesa, com digamos um pouco mais de conforto.


Ele deixou um pequeno saco de veludo vinho com moedas de ouro para pagar meu almoço por pelo menos uma semana.


- Vossa Alteza Real enviou como presente para senhorita. - ele deu um breve sorriso formal e saiu.


Pedi frango e um pouco de pão e após me saciar fui para fora daquela taberna asquerosa, com a certeza que logo tudo aquilo seria passado, pois se a ajuda da duquesa fosse real, isso com certeza me traria benefícios.


Algusth me preocupava, pois se ele se recuperasse, após a morte de meu pai, poderia se tornar rei e eu apenas após ele. Não estava disposta a esperar. Queria desesperadamente voltar a ter a vida que me foi roubada e para conseguir eu não pensava em poupa-lo, assim como tinha certeza que ele não me pouparia. Mulheres no trono nunca seriam algo facilmente aceito pelos nobres e talvez nem mesmo pelo povo. Os homens, mesmo os mais displicentes deles ainda eram mais valiosos do que uma mulher, por mais inteligente e forte que fosse, mas isso iria mudar e mudaria sob o meu reinado.


Sabia que eu era inteligente e astuta o suficiente para reerguer o país após meu pai tê-lo jogado na miséria. Surpreendia-me como o povo ainda não tinha tentado tirá-lo do trono. Pelo menos de onde estava não via revoltas. As pessoas pareciam estagnadas, satisfeitas com o nada, como se não houvesse o que fazer. Eu não terminaria meus dias no meio delas. Eu merecia e teria mais.


Voltei para casa e fiquei pensando, ou melhor, planejando minha futura vida que agora parecia ainda mais próxima, porém enquanto isso eu permiti que minha mente vagasse até o caçador, meu belo caçador.


Não existiam muitos homens assim naquela aldeia, e ao vê-lo saindo da floresta senti certa afeição por aqueles braços fortes. Queria um pouco de diversão enquanto ainda estivesse por ali. Tornaria minha espera um pouco mais suportável.


Talvez fosse meu último ato naquela terra miserável, mas ele seria meu e eu colocaria minha prima bastarda em seu devido lugar. Presa à miséria que já estava destinada a ela. E que toda sua prole fosse para o mesmo caminho.




A HerdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora