" Eu não quero tomar aqueles malditos remédios, eles me deixam sonolento e eu detesto isso. É como se alguém estivesse em meu corpo enquanto eu flutuo acima dele. É bem estranho. Você sabe como é?
Talvez você saiba.
Você parece ter a minha idade. Você tem um nome, certo?
Aqui...Sung Cho-Hee*. Seu nome é igual a você, sabia?
Eu ainda não te disse meu nome, não é? Eu sou ..."
— Filha... acorda. Está na hora do seu remédio. —Minha mãe chamou e ainda sonolenta, eu tento me sentar e abro a boca mecanicamente. Todo dia era a mesma rotina, eu já tinha me habituado a ela, mesmo odiando isso. Era para o meu bem, no entanto, e eu não podia fugir disso se eu quisesse sair desse hospital.
Ela coloca o comprimido em minha língua e me dá um copo de agua.
—Foi dormir tarde de novo? — pergunta e eu faço que sim com a cabeça, voltando a me deitar e tentando fazer com que o sonho volte de onde parou.
É impressionante como quando você tem pesadelos, eles voltam a te assombrar caso você acorde e volte a dormir, mas quando o sonho é bom isso nunca acontece.
Minha mãe continua falando, mas eu não consigo prestar atenção em suas palavras. Eu fecho os olhos apertados, mas tudo que ganho é uma explosão de pontos brilhantes na escuridão de minhas pálpebras.
— O que você acha? — minha mãe pergunta, mas eu não faço ideia do que ela falava. Não querendo aborrecê-la, abro os olhos e lhe dou um sorriso preguiçoso enquanto respondo.
—Claro, o que você achar melhor.
Deve ter sido a resposta que ela queria ouvir, pois o seu rosto se ilumina e ela vem para meu lado e coloca a mão em meu rosto.
—Eu falarei com o médico amanhã para ver se você pode tomar os remédios então. —Oh, será que ela estava falando da insônia? Eu não queria tomar remédios para dormir, eu não precisava deles. Eu... Só não queria dormir.
Será que ela entenderia se eu lhe dissesse que dormir se tornou meu maior medo?
Antes que eu possa dizer a ela qualquer coisa, meu pai chega trazendo um buquê de flores grande. Ele beija a minha mãe e coloca as flores no vaso antes de se virar e vir na minha direção.
—Pronta para mais um dia? — ele beija a minha testa e eu sorrio para ele.
—Estou sempre pronta. — seu rosto se ilumina com meu entusiasmo e ele coloca suas mãos em minha face, acariciando de forma terna enquanto diz.
—Essa é a minha garota.
A enfermeira chega e diz que minha seção irá começar em breve. Meu pai me ajuda a levantar da cama e me sentar na cadeira de rodas.
Eu vou para o banheiro sozinha, pedido que fiz a minha mãe duas noites atrás, já me sentindo confiante para tentar levantar sem ninguém para me ajudar, pelo menos nesses momentos. Minhas pernas estavam muito fracas, meus músculos inferiores sendo os que demonstraram maior fraqueza depois que eu acordei. O médico me certificou que isso era temporário.
—Com a fisioterapia e sua força de vontade, você voltará a andar sozinha muito em breve.
Eu não duvidei dele e estava dando o meu máximo para que eu pudesse a voltar ao normal. Sem exageros, como ele gostava de salientar para mim.
Mas as vezes, parecia que eu não ia conseguir isso tão facilmente. Assim como agora, enquanto eu tentava me manter de pé para escovar meus dentes, e acabei perdendo a força das pernas, caindo no chão e batendo na cadeira, o que fez um barulho maior do que a gravidade do incidente. Meu pai e minha mãe correram para dentro do banheiro e, quando vi o rosto de minha mãe, eu senti uma vontade imensa de chorar.
—Me desculpe...Eu, eu ...desculpe mãe.
—Está tudo bem minha filha, está tudo bem. — Foi o meu pai quem respondeu e me ajudou a levantar. Minha mãe tentou sorrir para mim, mas seu sorriso pareceu cansado.
Eu não gostava de ver a minha mãe tão cansada por ter que me ajudar a fazer tudo, como foi no começo da minha recuperação. Eu sei que ela estava mais feliz agora que podia fazer mais do que rezar para que eu acordasse, mas ainda sim. Ela as vezes me parecia tão frágil.
Eu sei o que esse tempo todo, essa culpa fez com ela. Assim como ela, eu me culpava por sua dor. Se eu tivesse sido mais forte, talvez ela não passasse por esse sofrimento. Se eu fosse mais cuidadosa, não teria soltado o cinto de segurança enquanto ainda estávamos a caminho de nossa casa. Se eu ...
Eram tantos "se"s ...Nós duas não podíamos ter previsto nada do que aconteceu, teríamos feito diferente caso pudéssemos. Era a mesma coisa com a culpa, não deveríamos nutri-la, mas ela estava sempre lá, nos lembrando dos nossos erros enquanto olhávamos uma para a outra.
Eu sabia.... Sabia como ela se sentia.
Eu não queria que ela sentisse isso nunca mais.
"Por que você tem sempre companhia? Fica difícil poder entrar aqui as vezes...
Eu sinto falta de falar com você, sabia? Acho que você é a única que me ouve. Porque eu sei que você está me ouvindo.... Eu sinto isso.
O seu silêncio fala comigo.
Mas não pense que eu quero que você fique assim... Não, eu não quero. Eu quero muito saber a cor dos seus olhos e poder me ver neles. Quero saber se você vai brigar comigo quando descobrir que eu entrei escondido no seu quarto. E eu quero ouvir sua voz. Acho que é o que eu mais quero. Saber como é o timbre dela e o quão ela combina com você.
Você acha que pode falar para mim uma vez? Antes... antes que eu vá?
Eu espero que você possa... "
—Você está muito quieta hoje... O que aconteceu?— Meu pai se senta ao meu lado na cadeira, enquanto eu espero a seção de aeróbica na piscina.
Eu lanço a ele um olhar de lado rápido e volto a olhar para frente, enquanto vejo a agua na piscina tremular com o movimento dos outros pacientes que saíram naquele instante.
—Uma pessoa me disse que o meu silêncio falava com ele. — comento e eu posso sentir seus olhos em mim enquanto ele pergunta.
—E quem é essa pessoa? — Ao invés de responder, eu me viro na sua direção e pergunto, minha voz saindo muito ansiosa.
—Pai, você acredita em mim, não é?
—Claro que sim querida. — ele não hesita em sua resposta e isso me enche de esperanças.
—Então se eu te falar que eu ouvia alguém conversando comigo você vai acreditar, não vai? — eu podia ouvir o desespero nas minhas palavras.
Eu precisava que alguém acreditasse em mim, que me dissesse que "ele" era real, que minha mente não estava pregando uma peça em mim. Mas ao que parecia, eu era a única que acreditava.
—Filha... — Ao ouvir o tom condescendente naquela única palavra, a minha vontade foi de tapar os ouvidos, como uma criança mimada, e não ouvir o que eu sabia que viria a seguir. — Você está confusa...
—Não pai, eu não estou. Por favor... —eu segurei suas mãos, quase implorando que ele acreditasse em mim. Ele tirou minhas mãos da dele e prendeu a minha nas suas, beijando levemente enquanto dizia de forma leve.
—O médico disse que isso pode acontecer, você misturar memórias e achar que ouviu coisas enquanto dormia. — ele me dá um sorriso cheio de carinho enquanto completa. — Você não precisa se preocupar com isso.
—Mas eu ouvi pai. — tento mais uma vez e ele suspira, se levantando e se agachando na minha frente para que tudo que eu visse fosse seu rosto.
—Se você ouviu, se lembra das histórias que te contei? — ele me questiona e eu sinto uma pontada de dor em meu peito.
—Não... Eu não lembro.
—Se lembra das conversas que sua mãe teve com você? — ele continua e aquela pontada em meu peito aumenta.
—Não. — Eu quase não posso ouvir o som da minha voz enquanto respondo, minhas esperanças se esvaindo de mim como um balão perdendo ar.
—Você vê? — ele toca meu rosto fazendo com que eu olhe para ele e continua. — Por que você se lembra só de uma pessoa é não de todas que falaram com você?
—Eu não sei...— sinto uma lágrima escorrer por meu rosto. Eu olho direto em seus olhos e acrescento, desesperada para que ele acredite pelo menos nisso. — Mas eu não estou louca pai.
—Ninguém está dizendo que está querida... Ninguém acha isso. — ele me abraça e afaga meu cabelo enquanto eu deixo as lagrimas escorrerem por minha face.
—Então o que? —pergunto, mas sem querer realmente ouvir uma resposta.
—Você está confusa é apenas isso. — ele se afasta um pouco e sorri para mim, com a segurança de alguém que já viveu muito e que confia no que está falando. — Logo suas lembranças voltarão e você verá o que era real ou não. Agora não é a hora de você se preocupar com isso, ok?
Eu faço que sim com a cabeça e ele limpa as lagrimas que ainda insistiam em descer. Eu sorrio para ele e ele se levanta. A enfermeira aparece nesse momento e me leva com ela para a minha rotina de exercícios na agua.
Meu pai permanece lá, me olhando por todo o tempo.
Enquanto estou na água, um fragmento de memória volta a minha mente.
"Quando você acordar, irá lembrar de mim? "
Eu nunca vou te esquecer.
Eu ouvi você.
OBS: Cho Hee significa Belo.
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Enquanto eu dormia.
RomanceEu acordei de um coma que durou dois anos. Meus pais disseram que foi a visita do padre que orquestrou esse milagre, os médicos não conseguiam explicar a minha melhora. Eles não fazem ideia do que aconteceu aqui. Mas eu sei. Eu posso não lembrar...