Capítulo 8

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Três meses depois.

Eu estava caminhando, sob ordens médicas, no terraço do hospital sem as muletas, apesar de ainda precisar me segurar algumas vezes no corrimão que havia lá para não cair, e ouvindo música em meus fones.

A minha recuperação estava quase completa e isso animava tanto aos médicos quanto a mim e a minha família.

Eu e minha mãe conversamos depois que eu descobri que o Igor me visitava e, apesar de ela querer processar o hospital e demitir a enfermeira por deixar tal coisa acontecer, eu a impedi que o fizesse.

— Há coisas que acontecem porque tem que acontecer, mãe. Eu tinha que o conhecê-lo dessa forma. Ele foi a minha luz em uma vasta escuridão e apesar de a senhora não acreditar, ele foi quem me trouxe de volta.

Ela não acreditava, isso era fato e também não aceitava que deixasse passar tal imprudência do hospital. Para ela, suas orações e o padre foram o motivo para isso e que um homem entrasse em meu quarto na calada da noite era um absurdo. E realmente era.

As coisas não são as mesmas no mundo, ele mudou e muita coisa ruim acontece. Eu tenho plena consciência desse fato. Há várias pessoas que tentam fazer o mal a outras pelo simples fato de poderem e não se pode confiar em ninguém apenas porque se tem um rosto agradável ou uma conversa envolvente. Eu sabia disso antes e sei disso hoje.

Mas, apesar de saber disso, eu também sabia que o Igor não era esse tipo de pessoa.

Eu saber e minha mãe acreditar eram coisas distantes, mas eu consegui, junto com meu pai e com a Maria, a enfermeira que cuidou de mim e que tinha se tornado minha amiga, que se desculpou formalmente com ela alguns dias depois de ela me conseguir a gravação das câmeras de segurança interna, nós conseguimos fazer com que ela mudasse de ideia.

A Maria conseguiu mais gravações para mim e meus pais depois disso. Acontece que o primo dela trabalhava na sala de segurança e ela conseguiu o convencer a ceder algumas das gravações sem ninguém saber. Ela sabia que era arriscado, mas ela disse que sentia que me devia isso.

—Eu nunca quis que você se machucasse ou que acontecesse algo. — disse ela a minha mãe —mas eu estava trabalhando em dois lugares, tendo provas na faculdade. Eu sei que não é desculpa, mas eu precisava dormir e as vezes, isso acontecia no meu turno aqui.

Minha mãe a olhou como se tivesse prestes a agarrar o pescoço dela, mas ela se segurou e esperou ela terminar de se explicar.

Eu confesso que isso me surpreendeu. Eu sempre achei que ela estava tendo um caso com alguém aqui do hospital e estava se pegando em alguma sala de medicamentos por ai. Eu contei para ela sobre isso e ela quase teve uma sincope de tanto rir.

—Queria eu que fosse isso. — disse ela a mim, sua expressão parecendo um pouco mais cansada. — Eu só sei estudar e trabalhar, acho que até esqueci como se beija.

—Bem, eu nunca beijei antes, então ... — eu dei de ombros e nós caímos na gargalhada, aliviando um pouco da tensão que se instalou nela.

Eu não tinha dito do beijo nem para minha mãe, nem para ela. Acho que elas não precisavam saber disso.

Minha mãe só precisava saber que o Igor não ficava muito tempo em meu quarto. Não passava de dez minutos, as vezes era bem menos. A Maria disse que ele, a princípio, usava meu quarto como esconderijo dos médicos.

—Ele fugia dos medicamentos e da visita dos pais, e só saia quando os médicos tinham desistido de procurar por ele. — ela explicou a nós. —Mas depois ele passou a não fazer mais isso. Foi quando ele começou a pegar a roupa dos médicos e entrar aqui. Acho que ele não queria levantar suspeitas e ser impedido de visita-la.

—E por que ele estava aqui no hospital? Qual a doença dele? — perguntou a minha mãe, interessada e eu vi a expressão da Maria se suavizar um pouco.

— Ele deu entrada no hospital com várias lesões devido a uma queda. — ela olhou para mim e eu balancei a cabeça, pedindo que ela continuasse. Ela já tinha me contado sobre aquilo e, apesar de sentir o coração doer toda vez que me lembrava, era importante que minha mãe soubesse. — Ele tentou se suicidar e pulou da varanda de seu apartamento.

Minha mãe ofegou, levando a mão a boca em choque. Esfreguei os olhos e firmei a cabeça entre as mãos enquanto observava minha mãe processar a informação. Não importa quantas vezes eu ouvia sobre isso, meus olhos sempre me traiam. Só de imaginar o tipo de coisa que ele estava passando para tentar isso, só de pensar nele sozinho, na varanda, olhando para baixo como se o chão fosse seu único caminho, seu último destino. Eu não conseguia não ficar alheia a isso. Não conseguiria com qualquer pessoa, com ele era apenas pior.

Minha mãe fez mais algumas perguntas e a Maria respondeu tudo que sabia, falou até que poderia entrar em contato com a família dele se ela quisesse. Mas ela não quis. Ela agradeceu a Maria e pediu para que se retirasse.

Depois disso ela me pediu desculpas.

—Eu devia ter acreditado em você querida. — Ela me abraçou e nós duas choramos no braço uma da outra.

Meu pai chegou algum tempo depois e nos encontrou dormindo, juntas.

Alguns dias se passaram e enquanto eu continuava a minha reabilitação, a Maria apareceu com um papel na mão.

— Você não pode falar com ninguém que fui eu quem te entregou isso, ok? — disse ela parecendo muito séria e eu ergui a sobrancelha e peguei o papel que parecia muito com uma receita médica.

—O que é isso? — perguntei e ao invés de me responder, ela sorriu e foi embora como se nada tivesse acontecido.

Eu abri o papel e vi o Nome do Igor escrito em letras de forma e embaixo o número de seu telefone e endereço. Um sorriso lento se abriu em meus lábios, logo ficando tão largo que ameaçava parti meu rosto em dois.

Meses se passaram e eu ainda não havia ligado.

Eu tentei, até perdi a conta de quantas vezes eu peguei o telefone e disquei o número. Mas eu nunca apertava o botão para iniciar a chamada. Eu estava com medo e muito.

Já se passaram vários meses desde que eu acordei, vários meses desde que eu reaprendi a falar, a mover meus músculos. Vários meses desde que que reaprendi a viver. Ele nunca voltou aqui. O meu passatempo favorito era sentar no saguão e ficar vendo as pessoas entrarem e sair, sonhando que entre elas um poderia ser ele. Isso até mesmo antes de ter a certeza da existência dele. Em minha mente, eu ia ser capaz de saber caso o visse.

O fato era, ele não voltou.

Eu sabia que devia ter um motivo para isso, eu só estava com medo de saber qual era. As possibilidades me assustavam. Pensar que ele poderia ter me esquecido me entristecia, pensar que poderia ter acontecido algo com ele, algo de ruim, me deixava a beira da loucura. Mas mesmo assim, eu não conseguia juntar coragem para deixar completar a ligação.

Enquanto eu dormia.Onde histórias criam vida. Descubra agora