Final

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Fechei meus olhos e respirei fundo.

Eu podia sentir o sol brilhante em meu rosto, o cheiro agradável da grama recém cortada, das flores que insistiam em se abrir mesmo com o inverno estando logo ali. Respirei profundamente e levantei a cabeça e vi o céu limpo, sem uma nuvem sequer para cobrir a glória do sol, que mesmo estando em seu ápice, não aquecia.

Ao longe, vejo uma aglomeração de pessoas. Elas estão chorando, pelo menos a maioria delas. Algumas mais do que as outras.

Eu me aproximo delas, devagar, pois as muletas são difíceis de se manter firmes na terra. Elas não me notam, inseridas demais em sua dor.

A cerimônia havia terminado. Foi uma cerimônia curta, simples, porém muito tocante.

Quando a minha vez chegou, com um pouco de dificuldade eu caminhei até a frente, peguei um pouco de terra em minhas mãos , me abaixei e joguei junto com um bilhete, no buraco no chão que agora seria o seu lugar de descanso.

"Eu ouvi você. Eu acreditei em você. Ainda acredito.

Obrigada por me trazer de volta.

Me desculpe por chegar demais."

Eu prometi que não choraria, não aqui. Mas era demais para eu manter preso dentro de mim.

Me apressei em levantar e me afastar, mas não foi fácil com aquelas muletas.

Senti uma mão em meu braço, me ajudando.

—Me deixe ajudar. — Era uma garota, parecia ter a minha idade. Eu tentei sorrir para ela, agradecendo por sua ajuda, mas as lágrimas não me permitiram fazer isso.

Eu limpei o rosto e me apressei para sair dali, mas a sua voz me deteve.

—Você é a ChoHee, não é?

Eu parei e a olhei. Eu não a conhecia, tinha certeza que nunca tinha a visto antes. Como ela sabia meu nome? Eu não precisei perguntar para que ela me respondesse.

—Eu sou a irmã do Igor. Ele me falou sobre você.

Ao ouvir suas palavras, essas simples palavras, eu não consegui mais segurar as lágrimas, então eu as libertei, com força total. Tentei esconder meu rosto com as mãos, mas fui impedida por ela, que me abraçou e deixou que eu chorasse em seus braços. Eu não tinha forças para me afastar.

Eu precisava disso. Ali, naquele abraço de uma pessoa que eu não conhecia, eu libertei todas as minhas emoções reprimidas. E ela ficou comigo como se não se importasse. Ela me abraçou sem dizer uma única palavra e deixou eu tomar o meu tempo. Ela me entendia.

Quando enfim não parecia haver mais lágrimas para chorar, eu me afastei dela. Olhei ao redor e percebi que todos já haviam ido.

—Me desculpe. — eu disse envergonhada e ela sorriu.

—Não precisa se desculpar. — ela tirou uma mecha de cabelo do meu rosto e disse. — Ele sempre teve esse efeito nas pessoas. — ela olhou para cima e tentou segurar as lágrimas. Eu coloquei a mão em seu ombro e ela sorriu. —Ele não ia querer me ver assim e nem você. Ele achava que não valia a pena sofrer por ele.

Ela balançou a cabeça em negativa e eu senti o nó em minha garganta. Não sabia porque ele pensava isso. E parei, percebendo que eu não sabia muito dele em tudo.

Nas minhas lembranças, a sua voz era sempre doce, alegre. E além da vez que eu acordei sentindo suas lágrimas em minha mão, a sensação que eu tinha sobre ele era o de uma pessoa alegre, divertida e que valia a pena.

—Eu não o conhecia muito... —disse, em voz baixa, com vergonha.

—Nem ele a você. — disse ela com suavidade e completou enquanto eu a olhava. —Mas isso não o impediu de te amar.

—Nem a mim.

—É isso que importa, não é? — ela pergunta e eu faço que sim.

—Eu queria ter tido a oportunidade de falar com ele ..Eu sinto muito por não ter tido essa chance.

—Talvez ele não deixasse você ter. — foi a sua resposta. Eu a olhei com confusão e ela me disse então. —Ele estava com medo de que você fosse o rejeitar quando o conhecesse melhor, quando descobrisse o que ele fez... Ele tinha medo e por isso não foi te ver.

—O que aconteceu? —minha voz saiu entrecortada, a emoção ganhando de mim mais uma vez.

—Ele estava voltando para casa, ele tinha ido ao correio.— ela enxugou as lágrimas que escorriam e continuou. — Um bêbado avançou o sinal e o acertou em cheio.

Contendo meus nervos desgastados, agora inflados também de raiva por terem tirado a chance dele de viver por conta de um erro idiota de um bêbado, eu tentei achar algo para falar, mas eu não conseguia me expressar de nenhuma forma além das lágrimas.

Ela me abraçou novamente e disse.

—Ele falava muito de você. — senti as suas lágrimas caírem e a abracei mais forte, retribuindo o sentimento. Ela continuou. —Obrigada por estar lá pelo meu irmão. Ele voltou a ter vontade de viver depois que conheceu você.

—Eu sinto muito. — foi o que eu disse, mas ela não me repreendeu, apenas respondeu.

—Eu também.

Nós conversamos um pouco mais, ela falou sobre como ele era e como ele estava nos últimos meses depois da sua tentativa de suicídio. Ela me falou que ele tinha procurado por ajuda de um psicólogo e que estava fazendo planos de me procurar e me apresentar para ela antes de todos. Nós ficamos lá por um longo tempo.

Ao nos despedirmos, ela me deu seu número de telefone e pediu que eu ligasse se precisasse conversar.

—Ele te amava o suficiente para não querer que você deixasse de sorrir. Viva seu luto e depois viva, pois essa é a maior homenagem que podemos fazer a ele. Ele voltou a ter a alegria de viver por sua causa, ele não ia querer tirar isso de você.

Voltei para o hospital e me deitei, não tendo forças para fazer nenhuma rotina de exercícios naquele dia. Meus pais entenderam e conversaram com os médicos. Amanha eu voltaria a viver, mas hoje eu iria deixar a tristeza ganhar. Só por hoje.

Naquele dia eu chorei até dormir e dormi o tanto quanto meu corpo precisava.

No dia seguinte, já a noite, depois de fazer minha fisioterapia, a Maria entrou no meu quarto, seu rosto abatido. Mas mesmo assim ela sorriu para mim.

—Eu tenho uma coisa para você. — Eu olhei confusa para ela. Ela estendeu uma carta para mim e eu a peguei com receio. Ao ver o nome escrito na carta, me sentei na cama e senti as lágrimas de volta aos meus olhos.

—Eu vou te deixar sozinha. Chame se precisar.

Ela saiu e fechou a porta atrás dela me deixando lá sozinha com a carta que o Igor havia me enviado.

—Então era isso que ele tinha ido fazer no correio...— disse para o vazio e senti lágrimas silenciosas escorrendo pelo meu rosto. Levantei a mão e as enxuguei, respirei profundamente antes de erguer a carta. Abri cuidadosamente para não correr o risco de danificá-la. Meus olhos se fecharam antes de tirar o conteúdo de dentro dela, meu coração batendo celerado e machucado.

Ao abrir os olhos, eu enxugo novamente as lágrimas e tiro de dentro do envelope um papel dobrado e uma foto.

Assim que eu viro a foto para que eu possa ver, eu sinto meu coração se apertar em meu peito, um sentimento agridoce se formando nele. Na foto estava eu dormindo, ainda em coma, com o rosto sereno apesar dos aparelhos ligados nele. Ao meu lado, sorrindo um sorriso brilhante, lindo, estava o Igor. Eu virei a foto e li a frase escrita com uma caligrafia tremida e pequena.

"Você esteve sempre tão linda. Eu imagino como deve ser sorrindo."

E apesar de todas as lágrimas que escorriam por meu rosto, eu sorri.

Uma paz quente e bem-vinda, encheu meu coração naquele momento. Era indescritível, era surreal. Não era o que eu estava esperando, e eu não tenho certeza de por que senti isso naquele momento.

Mas eu senti, no fundo da minha alma, de que, em algum lugar, onde quer que o Igor estivesse agora, ele me observava enquanto sorria para mim, recebendo esse presente que ele sempre quis.

E ele estava em paz.

Enquanto eu dormia.Onde histórias criam vida. Descubra agora