"Você acha que seus pais gostariam de mim?
E se eles soubessem o que eu faço? Que eu entro no seu quarto escondido?
E se eles souberem que, enquanto eu fazia isso, eu acabei me apaixonando por você?
Eles iriam gostar de mim?
Eu acho que não.
E você? Gostaria de mim quando soubesse o que eu fiz?"
— Para! — minha mãe grita no meio do saguão sem se lembrar de onde estava. Ela me segura pelos braços e diz mais baixo dessa vez, porém sua voz ainda tem aquela borda frustrada, desesperada em seu tom.—Por favor minha filha.
Com lágrimas nos olhos, ela tentava manter sua respiração sob controle e a minha atenção em suas palavras. Ela nunca tinha explodido assim antes, não que eu tenha visto, mas parece que ela sabe como fazer e não se importa com quem possa estar vendo ou do fato de que ela está me assustando.
Isso tudo por eu ter feito a seguinte pergunta: Você acredita em mim?
Por causa de seus gritos, os transeuntes ali pararam para observar a cena, provavelmente se perguntando o que tinha levado a minha mãe gritar daquele jeito. Os enfermeiros estavam atentos também.
E eu?
Eu apenas fiquei lá, atônita, olhando para a minha mãe como se não a conhecesse.
Depois de semanas enfim ela estava mostrando o que realmente pensava para mim. Sem rodeios, sem não me toques.
— Você não vê que você está fazendo mal a você mesma, nutrindo memórias que não existem? — perguntou ela ainda segurando meus braços, me forçando a olhar para seu rosto transtornado e ver ali o seu desespero diante da situação.
— Elas existem. — retruco, mas ela não está aqui para me ouvir, ela quer ser ouvida e vai fazer de tudo para que eu entenda.
— Não, não existem. — ela suspira e abaixa a cabeça antes de me olhar novamente e dizer com a voz um pouco menos severa agora.— Você criou isso tudo e eu não sei porque não quer aceitar a verdade.
O tom era ameno, mas suas palavras eram afiadas a ponto de machucar. E eu senti elas onde doía.
—E que verdade é essa mãe? — a questiono e sem hesitar, ela responde.
— Esse menino... essa voz, não é real. — escutar ela dizer isso com seu rosto sem expressão foi como um soco no estômago.
Ela solta meus braços e eu sinto um pequeno alívio. Meu braço doía pelo uso das muletas, que o médico insistiu que eu passasse a usar para condicionar meus músculos da perna mais rápido, e o seu aperto só piorou meu desconforto. Ela tinha uma grande força em suas mãos, apesar de parecer tão magra e frágil. Mas este alívio que foi mascarado pela minha frustração.
—É sim. — digo, teimosa.
— Não, não é.—ela ajeita seu cabelo e passa a mão por seu rosto antes de dizer com a , com a voz autoritária.— Pare com essa birra,você não tem mais idade para isso.
— Sou eu quem estou fazendo birra? — pergunto quando ela está se virando para me deixar ali sozinha. — Sou eu quem está com medo de aceitar a realidade?
Eu não devia estar fazendo isso, eu sei que não devia. Mas eu estava tão chateada, tão frustrada por ninguém me ouvir. Eles só me mandavam esperar e esperar como seu eu já não tivesse perdido tempo o suficiente deitada naquela cama por dois anos sem fazer nada além de esperar. Esperar que meu corpo melhorasse, que minha mente não se fragmentasse. Esperar e esperar e não ter nada a que me agarrar além daquela escuridão.
Eu não devia estar com raiva dela, mas eu estava. Ela não entendia e não queria entender.
—Sim é.— diz ela, seca e sem emoção nenhuma e ao invés de recuar, eu pergunto a ela com a mesma entonação que ela usou comigo.
— Do que você tem medo? De que eu esteja louca? — ao ouvir a palavra louca, ela recua, mas eu não. Eu continuo a questioná-la.— Que o acidente tenha me danificado.
— Não danificou... — ela olha para os lados agora, abraçando a si mesma.
—Mas e se? — eu ando para mais perto dela e olho bem para seu rosto quando pergunto. — É isso que você teme?
— Você não sabe de nada. — parou por um instante, com uma expressão repentina de insegurança. Ela não aguentou mais me encarar e se virou começando a se afastar, mas eu a detive levantando a minha voz, assim como ela fez antes.
Eu estava fora de controle aqui, as palavras saindo sem eu pensar. Mas naquele momento, eu não me importava.
— Eu sei que a Senhora passou por muito mãe, eu sei que esses dois anos não foram fáceis. Mas não é também para mim agora. — Minha voz começa a falhar e minha visão embaça conforme as lágrimas vão se formando em meus olhos.— Eu perdi tanto, eu parei quanto o mundo girava. As horas passaram e eu fiquei para trás. O meu mundo... — minha voz falhou e eu tive que respirar fundo antes de continuar a dizer aquelas palavras que estavam engasgadas dentro de mim. — ele parou mãe e eu me perdi nisso.
"Eu não sei mais o que está acontecendo lá fora... Eu nem sei o que está acontecendo aqui. — levo a mão a minha cabeça para demonstrar exatamente do que eu dizia e posso ver as lágrimas escorrerem por seu rosto também. Ela segura a sua blusa, na altura do coração, apertando forte sua camisa.
"Mas de uma coisa eu sei... Essa voz, essa pessoa foi quem me trouxe de volta. Essa pessoa acreditou em mim. E eu acredito nele. Eu acredito porque sei que foi real. Ele é...— Antes que eu termine sinto a mão da minha mãe em meu rosto, forte, seco. O barulho pareceu ecoar no saguão silencioso. Minha bochecha arde de uma forma irritante e eu sinto meus olhos arregalados pela surpresa.
—Já chega.. — São as suas palavras para mim.
Eu permaneço olhando para ela sem nada dizer, sem conseguir acreditar no que ela tinha feito. Lágrimas rolam pelo meu rosto e isso parece fazer com que ela perceba o que havia feito. Eu não me mexo até ela se mexer. Ela dá um passo na minha direção e eu tento me afastar, mas ainda sou desajeitada com as muletas e acabo caindo para trás. Minha mãe leva sua mão a boca, assustada. Algumas pessoas tentam me ajudar e ao passarem pela minha mãe, parece que liga algum botão nela de volta a realidade. Ela olha pára os lados e vê todas aquelas pessoas olhando para mim, olhando para ela e isso é demais.
Ela foge.
Ela sai correndo dali sem olhar para trás e some em meio as pessoas que a seguem com seu olhar, assim como eu.
Eu teria feito isso minutos atrás se não fosse aquelas malditas muletas... Mas só invés disso, estou aqui parada, minhas pernas tremendo tanto que eu não consigo ficar em pé sozinha, com dezenas de olhos me encarando enquanto minha mãe foge.
— Filha... o que houve? — vejo meu pai abrir caminho entre as pessoas e se aproximar de mim, seu semblante confuso com toda aquela confusão ali ao meu redor. Ele para na minha frente e um segundo depois eu o abraço forte, escondendo meu rosto em seu peito e desejando poder desaparecer dali. Ele retribui o abraço e deixa que eu fique segura, que eu me sinta assim, como sempre fez.
Eu o aperto um pouco mais, porém não demoro muito. Eu me afasto um pouco e digo.
—A mamãe...— engulo o choro e olho para ele com urgência. — vai atrás dela pai.
—O que aconteceu? — ele pergunta sem entender, mas eu faço que não com a cabeça.
—Depois... agora vá.
— Minha filha.. —. Ele ainda está relutante, mas eu lhe asseguro que estou bem e peço que ele se apresse.
— Vá.
Ele chama a enfermeira que tinha se afastado, mas ainda observava a nós dois, que me ajuda a permanecer em pé e corre atrás da minha mãe.
Eu olho para a enfermeira que sorri para mim de forma calorosa e a reconheço. Ela estava no meu quarto quando eu acordei e todas as vezes depois disso. Eu caminho com ela enquanto minha mente começa a colocar algumas ideias juntos no meio da confusão de meus pensamentos enquanto olho para o rosto da enfermeira.
Talvez ...Talvez ela pudesse me ajudar.
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Enquanto eu dormia.
RomanceEu acordei de um coma que durou dois anos. Meus pais disseram que foi a visita do padre que orquestrou esse milagre, os médicos não conseguiam explicar a minha melhora. Eles não fazem ideia do que aconteceu aqui. Mas eu sei. Eu posso não lembrar...