Capítulo 1: Não importa como, eu tenho que ir agora.

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Holly

— Eu preciso de uma passagem para Filadélfia!
Tento ser o máximo cordial que consigo com a moça do guichê, mas a forma com que ela está me olhando nesse momento me leva a querer estourar esse vidro e pular em seu pescoço. Eu quero sumir desse inferno urgente.
Com um sorriso amistoso, a pobre diz:
— Feliz Natal, senhorita.
Ahn? Pare com isso já, antes que eu mande você enfiar essa porra de Natal em algum lugar muito íntimo seu.
— Você me escutou? Quero uma passagem para a Filadélfia. — Ela continua sorrindo. Olho para o guichê ao lado e a moça sentada atrás do vidro está com o mesmo sorriso.
Será que são ciborgues programados para trabalhar na noite de Natal?
— Filadélfia, o trem acabou de sair — ela responde, fazendo com que minha atenção volte a ela.
Merda, arrume outro, sua idiota.
— Não — grito e bato minha mão no balcão. — Eu preciso ir urgentemente. — Enquanto isso, a aspirante a robô continua com aquele sorriso maldito.
— Sinto muito.
— Não, você não sente — desespero-me no instante em que confiro em meu celular que restam apenas sete horas para meia-noite. Tenho que sair desse lugar o mais rápido possível. — Não importa como, eu tenho que ir agora. Dê um jeito! — Busco minha carteira na bolsa tiracolo que está pendura em meu ombro, ela é a única coisa que consegui pegar antes de sair daquele pandemônio, e a abro, mostrando a coleção de cartões que meu pai me deu como herança por ser a filha única de um bilionário. — Pago quanto for — praticamente imponho. Sei que não é qualquer garota de dezessete anos que tem em sua posse tantos cartões.
— Tudo bem, mas, para Filadélfia, somente às dezenove.
Droga, nesse horário não dará mais tempo.
— Procure um acento vago, impossível não ter. — Ele tecla algo e nega com a cabeça.
Eu mordo meus lábios segurando o meu ódio. A pobre robozinha não tem culpa do caos que minha vida está. Então, percebo que não tenho o que fazer, a não ser esperar que me achem e que tudo acabe para mim.
Lágrimas.
Malditas lágrimas.
Elas começam a escapar, tento controlá-las, mas não acontece nada. Eu odeio sentir raiva e, toda vez que isso acontece isso, as lágrimas aparecem.
A atendente me examina e seu olhar reflete pena, não sei se é porque faltam horas para o Natal ou apenas pelas lágrimas que caem sobre minhas bochechas vermelhas pelo frio.
— Acho que tenho a solução.
Ela começa a digitar rapidamente em seu teclado, pede para que eu insira o meu cartão e, em um segundo, ela imite um cupom, entregando-me enquanto fala algo que não dou ouvidos. Apenas concordo, não escutando que ela fala. Isso não importa mais, eu consegui.
Assim, foco onde está escrito o número da plataforma no bilhete e saio correndo atrás da minha liberdade.
Filadélfia.
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Segura.
Era assim que me sentia escutando o barulho do trem correr sobre os trilhos. Estava segura até que ele parasse em seu destino final. O ruído do trem nos trilhos fazia com que meu coração desacelerasse, uma ideia louca surgiu na minha mente atormentada: como seria deitar em um trilho e esperar que o trem viesse? Seria, de alguma forma, uma morte rápida, coberta de sangue e adrenalina. Uma pessoa com coragem suficiente para isso seria um mártir. Pois ela teve coragem o bastante de esperar e assistir sua morte chegando.
Pego o meu pequeno bloco de notas e escrevo abaixo do número sete: 8- morrer em um trilho de trem na maior estação do mundo. É claro que eu serei criativa, tinha que ser algo grandioso e morrer em um trilho de trem qualquer não teria repercussão alguma.
Olhei-o através do vidro e vi que o entardecer cinzento mostrava que teria uma noite fria e com muita neve, os pequenos flocos que chocavam conta o vidro me faziam, por um momento, feliz.
Eu amava o gelo, era o único lugar em que esquecia da maldita vida que tinha herdado de meus pais.
Quando noto, já estou com minha mão colada no vidro, tentado alcançar os pequenos flocos. Pude observar o meu reflexo no vidro, vi meus olhos inchados de tanto chorar e o quanto descabelada estava pela corrida até o trem.
Pequei minha toca e a acomodei na minha cabeça, escondendo um pouco aquelas mechas castanhas. Coloquei minha cabeça no banco e tentei, de alguma forma, dormir, essa noite seria uma das piores na minha vida. Mas, antes que cochilasse, o meu celular começou a tremer na bolsa.
Fui rápida ao pegar o aparelho, embora, se eu visse algum nome dos causadores dessa dor no meu peito, não atenderia. Ao invés de ser um deles, era apenas o cara com que achava que teria um futuro. Era Josh, o cara que fazia de tudo para me levar para o altar depois da nossa formatura na faculdade.
— Josh — disse aflita enquanto escutava um suspiro de alívio.
— Graça a Deus, está viva, você tem noção do quanto nos assustou?
Nos?
Eu não queria que Josh tivesse incluso o 'nos' em sua frase, eu não queria, de forma alguma, que ele estivesse do lado deles nesse momento. Eu apenas queria que Josh estivesse me apoiando e disposto até a ir a Filadélfia comigo, mas algo estava estanho em seu tom de voz.
— Holly, volte, venha para sua casa, estamos aqui desesperados a procurando.
A raiva voltou a brotar no meu peito, eu não acreditava que o cara que estava comigo em um plano de relacionamento futuro estava do lado deles e não do meu.
— Não, eu não acredito que você está do lado deles. Eles são nojentos, mentirosos, só pensam em dinheiro, eles enganam por dinheiro, roubam vidas por ele, ou até matam por poder.
— Pare de ser dramática, Holly, fale onde está que irei buscá-la. — Meus olhos reviraram quando escutei um cara que me beijou apenas umas vezes achando que poderia se impor na minha vida.
Quem ele pensa que é?
— Já vi que você é como eles.
— Não, — agora é Josh que nega — não sou, mas acho que está agindo novamente como uma rebelde.
— Então você não me entende mesmo, Josh James. Quer saber de uma coisa, acho que vocês se merecem, aposto que você está com eles agora. — Ele bufa do outro lado da linha.
— Estou, e eles estão furiosos por tudo isso, acho melhor voltar antes que fique de castigo por mais tempo. E eu não quero ter uma namorada de castigo.
O castigo seria eminente, porém preferia ser castigada por algo que eu mesma tinha causado a como estava sendo castigada agora. Por mentiras.
— Foda-se — gritei e pude notar que a senhora que estava do meu lado franziu seu cenho. Continuei mesmo assim. — Vão se foder, você e esse seu projeto de casamento dos sonhos, você só quer usufruir da herança que me persegue, você é um interesseiro, vá para o inferno, Josh.
Apertei o botão vermelho antes que ele tentasse me convencer a voltar. Coisa que seria impossível. A senhora ao meu lado sorriu e sussurrou: "Muito bem, garota", retribui o sorriso forçado, também me sentindo orgulhosa pelo meu ato.
Eu só queria, nesse momento, estar na Filadélfia e reparar o julgamento injusto que havia feito. Queria dormir e esquecer de tudo isso que vivia. Não queria sonhar, apenas dormir. Para falar a verdade, não gosto de sonhos. Não sei nem por que eles existem, eles só servem para nos dar esperanças. E, na minha situação, não quero tê-las, acho que prefiro os pesadelos. Pelo menos, eles não nos fazem patéticos. Não nos estimulam a acreditar em algo melhor.
Já tive uns sonhos, muitos desses me faziam lutar pelo que queria, mas hoje prefiro os pesadelos, aquele desespero que sentimos quando estamos em meio a um e, depois de acordar, ver que apenas não passou de um mau sonho, nada demais. Isso, sim, é bom.
Acho que ficaria feliz se a minha situação agora fosse essa.
Não.
Não existia nenhuma forma que me faça ficar feliz no final dessa viagem de cinco horas para Filadélfia. Na verdade, poderia até dormir e, no meio de tudo isso, acordar e ver que era apenas um pequeno pesadelo. Algo bobo que não mudaria minha vida para sempre... como hoje. Por isso, eu amo ter pesadelos. Só para poder acordar e ver que nada mudou, que tudo está como era antes e ter a sensação de alívio, por pior que possa ser o pesadelo que venha a ter, não chega nem perto da realidade que vivo.
Ajeito a minha toca novamente, preparando-me para cochilar, olho para neve fresca amontoada ao lado dos trilhos. Encosto minha cabeça no vidro e miro o horizonte que ainda está claro, que ainda não foi devastado pela noite, a pior noite que terei em minha vida.
A noite de Natal.
Acho que foi por isso que nunca gostei de Natal, uma data idiota, patética, que nos remete a lembranças que, no meu caso, são sofridas.

Enquanto a neve cai. (Degustação) Onde histórias criam vida. Descubra agora