14º "Desabafando"

66 36 4
                                    

Estava impossível dormir. Era inevitável tirar da cabeça o vulto visto de relance. Por mais que tentasse, não conseguia se lembrar de nenhum detalhe. Sabia que era um homem. Única certeza.

O coração pulsava intensamente devido ao susto, mesmo começando a crer que apenas sonhara. Isto pois, voltou a perceber a paz interior que ainda sentia. Nada a deixaria mais feliz se pudesse ver Harry outra vez e se toda aquela injustiça dos virtuosos acabasse, mas o fato de não tê-lo mais em sua vida, não era um empecilho tão grande para viver os segundos subsequentes. Com aquela tranquilidade recente, tinha vontade de estar em ação. Uma pequena vontade, mas tinha.

Sem sono, abriu uma das janelas de seu quarto – com a visão do imenso corredor de Coharnil – e observou o nascer do Sol e quando a grande estrela já iluminava bem o lugar, resolveu abrir a outra janela de seu quarto. Tinha esquecido que aquela dava de frente com a casa de Luca. Logo em seguida, se lembrou da conversa escutada em seu primeiro dia na escola, vinda daquele quarto. Tal recordação veio, pois ouviu uma outra conversa, novamente apenas com a voz de Luca. No mesmo instante, Audrey parou de mirar a janela, pois não queria interferir na privacidade alheia, além de temer ouvir algo que, novamente, não lhe agradasse.

Começou a sentir fome. Arrumou sua cama, aproveitou aquela sensação de paz para tomar um banho relaxante e foi verificar se Helena já acordara. Como esta ainda parecia dormir, desceu os degraus, colocou a mão no cano e esperou-o abrir. Não se incomodava mais em usar aquele cano para ir de um lugar a outro. Na verdade, passou achar prático.

Meio Traça, o lugar que escolheu aquela manhã, parecia mais uma padaria, do que um restaurante. Chegou em um dos balcões e fez seu pedido. O cheiro do lugar era mais agradável. Teria de pagar ali, mas pelo jeito valeria a pena. Logo o atendente anunciou que seu pedido estava pronto e que Audrey apenas precisaria escolher um lugar para se sentar, que o pedido chegaria à mesa. A garota olhou para as mesas retangulares e os sofás vermelhos do estilo booth que ali havia, pensando onde iria se acomodar. A grande maioria estava vazia. Apenas em uma delas, viu um garoto sentado, comendo sozinho. Ao se aproximar, reconheceu-o imediatamente.

— Bom dia – sorriu ela, com simpatia. – Se importa se eu me sentar com você?

— Claro que não – respondeu Luca na mesma hora, engolindo nas pressas o que mastigava. – Fique à vontade.

— Obrigada – agradeceu Audrey, sentando-se ao sofá, que rodeava a mesa de metal. No mesmo instante, um prato com um croissant e uma caneca com achocolatado, ergueu-se a sua frente. Olhou rapidamente ao atendente, que acenou com a cabeça e um sorriso.

Em seguida, imaginou se realmente fora uma boa ideia se convidar para estar ali. Parecia difícil manter um diálogo com Luca. E a conversa que tivera com Isaac, reforçava aquela ideia. "Isaac", pensou, sabendo o que perguntar: – O Isaac não vem?

— Não. Ele está dormindo.

— Mas... – começou a dizer Audrey se lembrando do que acabara de ouvir em seu quarto, mas logo parou. Não quis passar uma impressão de bisbilhoteira.

Por um instante, se esquecera da ideia de que ele poderia, simplesmente, ter conversado com alguém pelo celular ou até mesmo, pelo Decomv.

— Mas...?

— Nada não.

Luca parecia desconfiar de algo, mas preferiu ficar calado a insistir em uma conversa. Audrey sentia-se desconfortável naquela situação, imaginando que Luca também. Tinha medo de fazer alguma pergunta indelicada, mas não sabia quase nada sobre ele. Se perguntasse algo que ele não quisesse responder, era só aceitar à vontade dele.

— Você gosta da escola? – resolveu perguntar.

— É, não é de todo mal – disse, desviando o olhar.

Elementos DiversosOnde histórias criam vida. Descubra agora