Gorila

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Comecei a sentir uma leve dor de cabeça, e mesmo com os olhos fechados eu pude perceber que os raios de sol batiam no meu rosto. Abri os olhos, e estava dia, então me levantei, batendo em minha própria roupa para tirar a areia da praia que estava grudada em mim. Notei que ainda estava vestindo a roupa térmica que Haru tinha me entregado na noite passada, mas olhei para os lados e não vi meus amigos, só havia um pescador sentado perto do mar com sua vara de pescar.

Não sei como eu cheguei até a praia, a última memoria que eu tinha era de estar me afogando no meio do caminho entre a areia e a ilha. Olhei para a ilha, ela continuava lá no mesmo lugar, do mesmo jeito, parecia que nada tinha mudado.

Me aproximei do pescador e notei que ele estava bem concentrado em sua vara de pescar.

— Olá, senhor, pode me dizer que horas são? – No momento que perguntei isso o pescador deu um pulo para o lado, e me olhando com cara de espanto respondeu:

— Você finalmente acordou garoto, achei que iria ficar dormindo até o meio dia, bem, vejamos, são oito e meia.

Oito e meia da manhã, já tinha perdido a aula, eu ainda estava com dores de cabeça, mas lembrava que deveria ter ido para a aula, resolvi ir para a escola onde eu estudava, talvez encontrar os meus amigos e saber o que aconteceu.

Por mais que eu estivesse curioso sobre a noite passada, decidi ir para casa, assim poderia trocar de roupa e encontrar meus amigos na escola no fim da aula. Comecei a caminhar e me senti um pouco diferente, parecia que eu estava mais leve, pensei que pudesse ser por conta do meu "quase afogamento", talvez eu só estivesse desnutrido. Talvez.

Passando pelo centro da cidade as pessoas me olhavam como seu eu fosse louco, afinal eu estava andando no meio de uma cidade com roupa de mergulho e descalço. Confesso que meus pés artiam em contato com o chão quente, todos no País da Água sabiam que o sol era mais forte aqui do que em qualquer outro lugar, e mesmo cedo da manhã o sol já estava forte, e eu já estava me arrependendo de estar descalço andando pela cidade sozinho.

Chegando em casa pude ver que já estava vazia, todos já haviam saído para trabalhar, minha mãe já deveria ter pegado sua cesta de bombons e já deveria estar quase no centro da cidade, meu pai provavelmente já estaria no escritório desde as sete horas, então seria apenas eu em casa. Pulei o muro e mais uma vez notei que eu estava mais leve, quase não fiz esforço para subir no muro e ao me jogar para dentro cai como se fosse uma pena solta no ar. Peguei a chave reserva que guardávamos em baixo de um jarro no jardim e entrei em casa.

Depois de trocar de roupa e comer um sanduiche me sentei no sofá da sala e liguei a TV, queria ver se conseguia achar algum programa que falasse sobre a tempestade que acontecera. Nada. Nenhum programa, nenhum jornal, em lugar nenhum eu encontrava informações sobre aquela tormenta.

Já estava quase no horário da escola largar os alunos, então desliguei a TV e sai de casa, peguei minha bicicleta na garagem, ela não era muito nova, mas era a que eu tinha, e fui em direção à escola.

Parei bem na frente da escola, tinha um local para colocar as bicicletas bem ao lado do portão principal, então estacionei ali e fiquei esperando meus amigos. Quando Haru me viu começou a sorrir, como se estivesse vendo um parente muito distante que não via a muito tempo.

Nos juntamos na frente da escola, todos me olhavam como se eu fosse um fantasma, perguntei sobre o que aconteceu na noite passada e Haru foi o único que me respondeu.

— Depois que a tormenta começou ficamos muito preocupados, vimos que você estava no meio do caminho, eu até pensei em entrar na água para te ajudar, mas na hora que coloquei meus pés no mar o primeiro raio caiu, fiquei com medo de ser atingido, e quando olhei novamente você não estava mais lá. – Haru estava quase chorando, podia ver seus olhos se encherem de lágrimas.

— Nós tivemos que convencer o Haru a vir conosco – disse Ko – ele não queria sair dali sem você.

Continuamos conversando por alguns minutos e mesmo assim não conseguimos chegar a uma conclusão sobre o que aconteceu comigo, decidimos ir para o bar do senhor Jojo, um bar que ficava próximo da nossa escola e onde geralmente íamos para conversar depois das aulas. Quando estávamos chegando perto do bar ouvimos um barulho enorme, parecia que um carro tinha destruído a parece de uma casa, então ouvimos gritos, e esses gritos vinham de dentro do bar.

O bar era pequeno, chamávamos de bar mas na verdade era uma lanchonete, um pequeno local que mais parecia um corredor entre duas lojas, haviam apenas quatro mesas e um pequeno balcão, o senhor Jojo era um senhor de idade muito querido por todos, era praticamente um patrimônio da cidade, ele e a sua lanchonete sempre estiveram ali, todos conheciam ele, e todos iam na lanchonete dele.

Entrei correndo pelo pequeno corredor, meus amigos atrás de mim, passei pelas mesas e pelo balcão, entrei em uma pequena porta de dava para a cozinha do bar, e ao entrar eu só pude ver poeira, poeira pela cozinha inteira, uma nuvem grande, e pude ver em meio a nuvem de poeira uma silhueta gigante, praticamente o dobro do meu tamanho, e forte, muito forte, os braços eram gigantes. Ouvi outro grito.

Adentrei a poeira em direção daquele vulto enorme, quando percebi estava do lado de fora do prédio, pela parte dos fundos, um beco meio sujo, escutei um barulho de lata amaçando, olhei para o lado onde havia um lixão feito de metal, e ele estava amaçado, uma enorme pegada ficou em baixo relevo na tampa do latão. Olhei para cima e pude ver o que parecia um monstro gigante indo para cima do prédio ao lado, meu primeiro instinto não foi chamar a policia ou pedir ajuda, como você pode imaginar, eu simplesmente pulei para cima do latão de lixo, e em um único salto fui parar no telhado do prédio.

Haru, Ko e Akira estavam logo atrás, e me viram subindo no telhado do prédio ao lado, mais tarde em outra ocasião estávamos conversando e me disseram que parecia surreal o que eles viram, o prédio tinha três andares e em um único salto eu consegui subir até o último andar, mas nada daquilo passava na minha cabeça no momento, eu só queria entender o que estava acontecendo e salvar o senhor Jojo.

Quando eu subi no telhado do prédio eu olhei para o monstro que carregava o velho senhor, foi então que percebi o que realmente era aquele monstro. Não era um monstro, era um gorila, um animal selvagem, enorme, peludo, e carregando o senhor Jojo nos braços, um gorila maior do que qualquer outro gorila que eu já vira na TV, ou em livros da escola, um gorila monstruoso, e muito rápido, já estava três prédios a frente, então comecei a correr na direção daquele primata louco.

Saltando de prédio em prédio atrás do gorila eu não pensava muito em como eu conseguia correr e saltar tão alto e tão longe, eu apenas queria salvar um velho amigo, em meio a essa maratona eu percebi que estávamos indo em direção à Parte Baixa. Comecei a ficar com medo do que estava por vir.

O Shaman da LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora