Quadro

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Correndo e saltando por cima dos prédios podia sentir o vento leve no rosto, embora fosse quente por ser meio dia estava agradável, a única coisa que não era agradável era o primata gigante que esta sequestrando o Sr. Jojo. Não tive muito tempo para pensar em como era incrível o fato de estar em alta velocidade e saltando como um tigre por cima dos prédios da Parte Alta da cidade, mas logo chegaríamos na Parte Baixa, lá não havia prédios, então não sabia o que iria acontecer.

Avistei alguns barracos ao longe, a Parte Baixa da cidade era toda formada por barracos, haviam casas também, mas eram muito poucas, a maioria das moradias eram construídas com restos de latão, telhas velhas e aparentemente muito finas, fiquei imaginando se aquele gorila ia aterrissar em um dos barracos, por que se isso acontecesse com certeza as telhas não iriam aguentar.

Em um leve momento de distração o monstro sumiu, olhei para todos os lados, mas não conseguia encontra-lo, a essa altura estávamos bem na divisa entre as partes da cidade, eu estava em pé no ultimo prédio da Parte Alta, olhava para todos os lados e não conseguia ver nada, como um monstro daqueles sumira assim do nada?

Ouvi algo, era apenas um murmuro na minha mente, mas pude ouvir algumas palavras: "Socorro... Moça... Não... Onde... O que...". Eu não conseguia distinguir as frases completas, mas podia ouvir essa voz na minha mente, em um estalo olhei diretamente para uma das casas em meio aos barracos, não era muito longe de onde eu estava, saltei para o barraco mais próximo, a telha tremeu, achei que fosse cair mas notei que a telha era forte o suficiente para me aguentar, então saltei para o próximo e para o próximo, já estava bem perto da casa então resolvi descer para a rua.

As ruas não eram bem ruas, pareciam vielas, não era asfalto nem paralelepípedos, parecia um chão batido e bem no meio da rua corria um pequeno córrego que lembrava muito esgoto, o cheiro também não era dos melhores, e não pense que era uma rua normal como as que você conhece, era um beco muito menor, case a metade do tamanho de uma rua normal, acredito que carros não passavam ali.

Não havia ninguém pelas ruas, todas as portas fechadas, e algumas coisas largadas pela rua como se as pessoas tivessem fugido correndo e se escondido em casa, caminhei bem devagar para ninguém me escudar, passei do lado de um dos barracos, a casa estava logo a frente, me abaixei um pouco para poder ficar embaixo da janela da casa. Espiei. Era uma sala meio escura, mal iluminada, a luz entrava apenas por aquela janela, mas não era uma janela muito grande, e como estava de frente para um dos barracos também não entrava muita luz por ali, em um dos cantos da sala pude ver o que deveria ter sido uma estante de TV, mas agora era apenas um monte de entulho, a TV ainda estava meio inteira, porém com a tela quebrada ao meio, do outro lado da sala havia alguém amarrado em uma cadeira, pude ver que existia uma porta perto dessa pessoa, provavelmente a porta para a cozinha, e uma escada ao lado dessa porta, essa era uma das poucas casas de dois andares da Parte Baixa, eu lembrava de uma pessoa que eu sabia que morava na Parte Baixa e que tinha uma casa de dois andares, mas com certeza não era aquela.

– Então, seu velho tarado, você gosta de olhar para todas as mulheres bonitas que passam na frente da sua lanchonete? - ouvi uma voz de mulher dizendo isso, olhei para escada e vi uma silhueta feminina descendo pelos degraus devagar, quando a pessoa chegou mais perto da luz eu percebi que estava vestindo apenas uma toalha, caminhou devagar até ficar em pé na frente do homem amarrado, em um movimento suave a mulher levou a mão até perto do queixo, desamarrou a toalha e deixou ela escorregar pela pele clara, e descendo pelas curvas do corpo feminino da mulher caiu no chão formando um meio círculo ao redor da garota. Estava nua.

– Todas as vezes que passei na frente da lanchonete, aquele lugar imundo, notava os seus olhares maldosos para mim, eu via que você parava qualquer coisa que estava fazendo para me observar, acho que você deveria se achar muito bonito, como se uma deusa como eu fosse me interessar por um porco como você. - A claridade aumentou um pouco, acho que o sol saiu detrás de alguma nuvem, o homem que antes era só um vulto na escuridão agora era bem visível, era o Sr. Jojo, estava amarrado com uma corda grossa e amordaçado com um pedaço de pano sujo, a mulher ainda estava de costas para mim, não conseguia ver o seu rosto, mas pude ver o seu corpo com mais clareza, haviam cicatrizes por todas suas costas, como se ela tivesse sido torturada ou algo assim.

A moça tirou o pano da boca do Sr. Jojo, ele estava assustado, não conseguia falar nada, apenas olhava para o rosto da mulher, ela se aproximou e murmurou algo no ouvido do velho, mas não consegui entender o que era, então ela deu dois passos para trás e suas costas dobraram para trás, como se estivessem quebrando ao meio, o barulho dos ossos se mexendo dentro dela era alto, depois mais uma dobra para frente, seus braços incharam, seu pescoço se alongou, parecia uma cena de tortura, os barulhos dos ossos quebrando e se arranjando dentro dela era agoniante, tapei meus ouvidos mas ainda podia ouvir estalo após estalo, olhando novamente pude ver que pelo começava a crescer no corpo daquela pessoa, pessoa que agora parecia mais um monstro e aos poucos o monstro foi tomando forma, e o gorila apareceu.

– Você nunca imaginou que isso pudesse acontecer um dia, não é? - O monstro falava com uma voz muito diferente, parecia uma voz dupla, podia distinguir a voz da mulher, mas a outra voz era meio estranha, um pouco bizarra, talvez um sotaque diferente, era macabro.

– Moça, eu não sei do que você está falando, eu não fiz nada! – Se defendeu o Sr. Jojo.

– Nada? Eu sei muito bem o que é um homem olhando para uma mulher, você acha que é fácil crescer em um lugar como esses? Com todos te olhando, ter medo de sair na rua depois que o sol se põe por causa de homens como você? – Enquanto falava percebi que o monstro se erguia, como se tirasse forças das palavras e estivesse ficando mais nervoso. – Hoje vai ser o começo de uma nova hera, o começo de uma hera sem homens escrotos como você!

O braço do gorila se erguei com o punho fechado, percebi que ele ia matar o Sr. Jojo se eu não fizesse nada então em um impulso, que eu nunca imaginei que poderia ter, me levantei e dei um passo para trás, nesse momento tudo ao redor parecia ter parado, era como se eu fosse o único ser vivo que podia se mover, dei um pulo para dentro da casa quebrando o vidro da janela e caindo bem no meio da sala de estar do monstro assassino de velhinhos, olhei para o Sr. Jojo e o punho do monstro estava descendo em câmera lenta na direção do rosto do senhor assustado, levantei muito rápido e em alguns passos eu já estava ao lado do Sr. Jojo, puxei a cadeira dele todas as forças para o lado, o Sr. Jojo era meio pesado, não sei como o monstro pode carregar ele nas costas como se fosse um pedaço de papel, escutei um estouro com se carro estivesse batendo em outro bem ao meu lado, fui jogado de encontro a parede com o impacto, quando olhei para o monstro tudo já havia voltado para a velocidade normal, pude ver o Sr. Jojo caído na cadeira, eu consegui salvar a vida dele, mas não consegui salvar o corpo todo do meu velho amigo, o impacto que eu senti foi o monstro gigante destruindo os membros inferiores do meu amigo, quando o puxei de lado a cadeira tombou e ele caiu deitado no chão mas as suas pernas ainda estavam na mira dos punhos enormes daquela mulher-monstro, o Sr. Jojo parecia desmaiado, já o gorila me olhava assustado:

– Makoto? O que você está fazendo aqui? – Disse o monstro, como se me conhecesse, achei aquilo muito estranho. – Não importa, não posso deixar testemunhas, você vai ter que fazer companhia para o seu amiguinho!

O gorila se endireitou e ergueu o punho como se fosse me dar um soco, meu coração parou, eu sabia que iria morrer ali se aquele soco me acertasse, e então mais uma vez a magia aconteceu, o tempo parou e quando eu percebi isso logo sai correndo para perto da porta e enquanto corria pude ver um quadro quebrado no meio do entulho da estante de TV, havia uma mulher nesse quadro, aparentemente em sua formatura, e eu sabia quem era aquela pessoa, conhecia muito bem aquele rosto sorridente da foto.

Parei na frente da porta, o tempo voltou ao normal, olhei para trás e o monstro me olhava por cima dos ombros, ele se virou devagar, eu mal conseguia falar, acho que agora meu coração estava mais acelerado do que nunca, olhando para o monstro só consegui gaguejar uma palavra:

– Pro-pro-professora?

O Shaman da LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora