Filha

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Já faziam seis dias que eu estava no hospital, Haru e Akira vinham me visitar quase todos os dias, Ko não vinha muito, ele morava mais longe então não era tão fácil para ele vir até o hospital para me ver. Todos os dias eu pedia para Haru passar no quarto do Sr. Jojo para ver como ele estava, aparentemente ele era bem forte e estava melhorando aos poucos, apesar de ainda seguir internado, eu por outro lado já levantava da cama e dava algumas voltas no quarto. Durante esses seis dias li todos os quadrinhos que havia comprado e nunca tinha lido, li alguns livros, e fiz alguns trabalhos para a escola, mesmo eu não indo para as aulas Haru trazia todos os trabalhos em dupla para fazer comigo.

Depois de anoitecer no sexto dia resolvi ir visitar o velho Jojo, esperei o horário em que os enfermeiros não estivessem mais zanzando no corredor, levantei-me devagar, tinha que ir empurrando o suporte do soro, eu já estava bem melhor e caminhava sem mancar, abri a porta bem devagar para ver se não havia ninguém no corredor, quando vi que estava vazio sai com passos curtos, atravessei o longo corredor, conseguia ver os pacientes pelas janelas dos quartos, a maioria deles estavam sozinhos, outros tinham acompanhantes, chegando ao fim do corredor pude ver a placa indicando o andar, estava no decimo segundo, apertei o botão do elevador e esperei apenas alguns segundos até que ele chegou ao meu andar, entrei e apertei o número quatro, Ko me disse que o velho estava no quarto andar logo que acordei, a porta do elevador abriu novamente, desta vez estávamos em um andar diferente, aparentemente o corredor era como o do meu andar, mas haviam cadeiras de roda por todos os lados, muletas e andadores, acho que era o andar onde ficavam os deficientes físicos, isso já me dava uma ideia de como o Sr. Jojo deveria estar. Caminhei pelo corredor e fui passando de porta em porta olhando pela janelinha que cada porta tinha, no quinto quarto pude ver o velho Jojo lendo um livro, deitado em sua cama com um soro como o meu em seu braço, não bati na porta para não alertar ninguém que eu estava ali, abri com todo cuidado e entrei para o quarto.

— Senhor Jojo. — Falei baixinho enquanto caminhava na direção do velho amigo.

O idoso levantou os olhos do livro, e me olhando por cima dos pequenos óculos de leitura esboçou um sorriso com os lábios, em seguida mudou a expressão para uma face triste, pude ver as lágrimas caindo aos poucos dos olhos cansados do meu velho amigo, me senti tão emocionado quanto ele, talvez pela nossa experiência de "quase morte" juntos, talvez por nos conhecermos a muito tempo, não sei, mas nos abraçamos e choramos juntos por algum tempo.

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— Depois que você apareceu pela janela eu não lembro de muita coisa, só do grande impacto que senti em minhas pernas. — Disse o velho Jojo, já estávamos conversando a algum tempo quando conseguimos finalmente tocar no assunto do ocorrido.

— Como estão suas pernas? — Perguntei, depois de perguntar acabei me arrependendo de tê-lo feito.

— Não estão. — Disse o Sr. Jojo enquanto erguia as cobertas, destapando o local onde deveriam estar suas pernas, mas não estavam, o que sobrou das pernas do velho Jojo acabavam um pouco antes do que seria o joelho, estavam enfaixadas com ataduras branquinhas.

— Sinto muito Sr. Jojo, não consegui te salvar.

— Não se preocupe garoto, a culpa não é sua, fui eu que fiz aquilo, ela achava que eu a olhava com desejo pelo seu corpo. Também não a julgo, eu deveria ter falado com ela. — O velho colocou a mão no rosto, como se estivesse com dores de cabeça. — Vou lhe contar a história, e você vai entender.

"A muito tempo atrás, muito mesmo, existia uma montanha, era conhecida como A Montanha dos Espíritos, ela ficava em um vale com várias outras montanhas ao redor, nesta montanha existia um templo, construído por discípulos do Deus da Luz, esse templo tinha como objetivo ser o santuário para as almas dos guerreiros mortos em combate, dois dos discípulos foram designados para cuidar desse templo, e o Deus da Luz forneceu vida eterna para eles enquanto eles estivessem no templo. Um destes discípulos, porém, muito tempo depois do início desta lenda, acabou se apaixonando por uma mulher da vila que ficava próxima do templo, ela levava oferendas ao Deus regularmente, logos os dois se apaixonaram, ele pediu ao Deus da Luz que desse a vida eterna para esta mulher também enquanto ela vivesse no templo, o Deus muito bondoso forneceu a via eterna a mulher, mas avisou que isso jamais poderia acontecer novamente, e que não concederia a vida eterna a mais ninguém, por isso ele inundaria o vale transformando as montanhas em ilhas, isolando tanto os moradores da vila quando os discípulos do templo, e assim ele fez. O que antes era um templo no topo de uma montanha agora era um templo em uma ilha, e a vila agora era estava isolada do mundo em outra ilha. Os anos passaram, a vila se tornou uma cidade, a cidade se tornou uma metrópole, o templo da ilha foi esquecido, e com o templo a lenda do Deus da Luz também foi deixada de lado."

O Shaman da LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora