My hair.

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– Naomi devolve agora a minha touca! –  berrei enquanto me apoiava em meu guarda-roupa, procurando algo que tapasse as falhas de cabelo em mim.

– Ash querida, dá um desconto à sua irmã, ela é pequena e não sabe o que faz – mamãe disse pegando minha cadeira de rodas, sentei-me na mesma com sua ajuda.

Soltei um leve gemido, as dores recentes e intensas provavelmente são consequência da acidez da droga da químio que estou tomando.

– Eu sinto muito por tudo isso meu amor – disse minha mãe abaixando a cabeça percebendo minha dor, deixou uma lagrima cair. Isso parte meu coração cada vez que se repete.

– A senhora não tem culpa de nada disso – respondi.

Estou farta de tudo isso, olhares, lamentações, pena... Eu sei que não sou saudável, mas ninguém precisa ficar me "lembrando" de cinco em cinco minutos, isso me irrita.
Tento ao máximo manter as pessoas longe de mim, não quero ninguém sofrendo quando eu partir.
Hoje é o dia em que vou raspar meu cabelo, que por conta da químio está bem ralo. Eu nunca fui de me importar tanto com a minha aparência, mas confesso que estou receosa quanto ao meu cabelo.

-

– Está pronta filha? – mamãe perguntou, senti sua mão acariciando meus ombros.

Balancei a cabeça no sentido de afirmação, fechei os olhos bem forte como alguem que não quisesse ver mais nada.
O unico barulho que se ouvia agora é o som da maquina de cortar o cabelo que ressoava pela casa. Os restos de cabelo caiam sob meus ombros fazendo cossegas. – Mamãe, mamãe, raspa o meu cabelo também – soltamos um riso com a inocência de minha irmã.

-

– Ash, Ash, Ash canta para mim? – disse Naomi com sua voz manhosa mas estridente correndo até mim, me despertando dos meus pensamentos.

Mamãe e Naomi insistem em dizer que eu canto bem, deve ser pena, "ah coitada, vamos dizer que ela canta bem pra não se sentir inutil".

– Eu até gostaria pequena gafanhota, mas eu só sei cantar com a minha touca, aquela que você pegou – tentei usar a chantagem emocional, Naomi torceu o nariz, mas acabou cedendo.

*pov's narradora on

A pequena garota tira do bolso a touca que Ashley usa para esconder os "rastros" que a químio deixa em sua cabeça.A mesma que agora vestiu a touca se prepara para não decepcionar a irmã.
Ash acredita em muitas coisas, uma delas é no poder que a música tem sobre as pessoas. A música nos transforma a cada batida, a cada ritmo, a cada nota, a cada vibração. Ela então fecha os olhos, começa a cantar "Life Of The Party" do seu idolo Shawn Mendes.

I love it when you just don't care
I love it when you dance like there's nobody there
So when it gets hard, don't be afraid
We don't care what them people say
I love it when you don't take no
I love it when you do what you want cause you just said so
Let them all go home, we out late
We don't care what them people say

We don't have to be ordinary
Make your best mistakes
'Cause we don't have the time to be sorry
So baby be the life of the party
I'm telling you to take your shot it might be scary
Hearts are gonna break
'Cause we don't have the time to be sorry
So baby be the life of the party

Sua voz ecoava pelos comôdos da casa, sua mãe pegou o celular e gravou aquela cena linda. Uma menina tão jovem e talentosa, mas com os dias contados.

*pov's narradora off

*Flashback on*

Era de madrugada, apenas eu e meu gato estavamos acordados, senti uma dor imensa percorrer pelo meu corpo, meu joelho parecia estar sendo destrossado. Gritei desesperada pela minha mãe, eu estava chorando, nunca senti dor tão forte quanto aquela.
– O que foi Ashley? O que está acontecendo com você? – mamãe estava extremamente aflita, assim como eu.

Minha irmã começou a chorar com o susto que levou com meus gritos. Eu não consigo imaginar a cabeça da minha mãe naquele momento, ela estava sem saber o que fazer. Até que ela pegou seu celular, discou o número da ambulância, que em 20 minutos ja tinha chegado. Me deram anestesia e eu apaguei em seguida

*pov's Georgia/mãe de Ashley

Meu coração partiu ao ver minha garota naquela cama de hospital, sem poder fazer nada, um sentimento de impotência tomava conta de mim.

– Senhora Thompson, eu preciso que me acompanhe - a médica me chamou para fora do quarto e eu a acompanhei. – É melhor que a senhora se sente.

– Eu não vou me sentar! O que tem de errado com a minha filha? – perguntei exaltada, pegando Naomi no colo, a mesma estava com muito sono e não estava entendendo nada do que estava acontecendo.

– A sua filha tem osteossarcoma, um câncer que atinge os ossos, eu sinto muito – eu estava em transe, não podia acreditar naquilo.– Nós podemos fazer algum tratamento, mas esta em um grau muito avançado, e com o tempo só vai piorar.

Sentei na cadeira mais proxima de mim,coloquei Naomi em uma do lado. Comecei a me dar tapas no rosto na esperança de que fosse só um pesadelo e que eu iria acordar e iria abraçar minha filha, dizer pra ela tomar conta de sua irmãzinha quando eu partisse. Mas isso não foi possivel.

– Quanto tempo ela tem? – perguntei em prantos, carregada de ódio de mim mesma, da médica, de todos que estavam me olhando com olhar de pena, de tudo e todos.

– A químio pode dar a ela mais alguns meses, mas eu sugiro que você aproveite cada dia como se o próximo fosse o ultimo que você verá sua filha, passeie com ela, faça ela se sentir mais amada que nunca – a médica disse me abraçando e soltando logo em seguida.

– Isso é tudo culpa minha – respondi secando as lagrimas com a costa da mão. – Ela sempre reclamou de dores, mas eu nunca dei ouvidos, ela vai morrer e a culpa é minha.

– Eu peço que se acalme, ela vai precisar da sua ajuda mais que nunca – ela falou dando um tapinha em meu ombro.

-

Minutos depois eu voltei ao quarto, Ashley estava acordada.

– Mamãe eu ouvi tudo, não precisa ficar assim e nem se sentir culpada – ela se esforçou para falar. –Vamos aproveitar o tempo que temos juntas.

– Ei meu amor descança, você passou por coisa demais meu anjo – falei sem fazer contato visual, eu senti vergonha de mim mesma, ela me ouviu dizendo que ela vai morrer, eu estava me sentindo um monstro.

Depois de cantar um pouco para ela tentamos dormir.

-

Eu estava desorientada, em uma situação na qual eu não sabia como agir ou pensar. Na verdade a gente nunca espera pelo pior, e é por isso que ficamos abalados.
Eu como mãe tive dificuldade em saber como me portar diante minha filha, como me manter forte o tempo todo. Acho que esse sentimento de impotência, de querer tirar a dor e o sofrimento de um filho fazem parte da maternidade. Não é justo, mas faz parte...

*pov's Georgia/mãe da Ashley off

*Flashback off*

*pov's Ashley on

Ao abrir os olhos me deparei com minha mãe me filmando e minha irmã cantarolando a musica que eu acabara de cantar. Sorri com a cena, e então minha mãe disse "corta!", o que me fez rir mais ainda.

– Eu tenho tanto orgulho de você, minha pequena cantora – mamãe disse me dando um beijo na testa.

– Falando assim até parece que eu canto bem – sorri, a essa altura eu ja estava vermelha como um tomate.

– Minha mana canta igual a Se...Se...lani – gargalhei com a fofura e ingenuidade de Naomi.
– Selena Gomez meu bem? – ela assentiu.

Mamãe me ajudou a me preparar para dormir como todas as noites. Tomei meus remédios para dor e então apaguei.

Dias contados.Onde histórias criam vida. Descubra agora