A novidade de Analice ainda estava grudado na mente de Aurora como um chiclete podre, daqueles que são impossíveis de sair sem um sabão.
Ela desbafou estar grávida, mas não queria aquele filho. Apenas queria continuar vivendo aventuras amorosas sem se prender a ninguém. Mas aventuras boas era tudo o que Aurora sempre quis e nunca conseguiu.
Naquele sábado a menina havia ido novamente até o canil fotografar a faxada para iniciar o projeto que impediria a destruição do local.
Seus cabelos estavam presos em um laço pequeno e alguns fios caiam sobre seu rosto sardento, seu esmalte ainda estava nas unhas combinando sempre com seu batom escuro. Apressara os passos e chegara depressa antes que o porteiro pudesse vê-la.
Fotografou a frente colorida, as vitrines e no interior do canil em seguida guardara a maquina na bolsa e dirigiu-se ao escritório para buscar o notebook, Gustavo estava descendo o elevador quando trombou com ela.
— Bom dia, Aurora. Pontualidade em finais de semana, se ironia não? — ironizou levando as mãos até a gravata apertando-a.
— Só vim pegar o notebook para iniciar o projeto do canil.
— Ah, sim. Claro! Verdade. Muito bem. Ta tudo bem com você?
Ela assentiu afirmativamente e entrou no elevador correndo depressa por entre a sala, pegando tudo que precisaria para iniciar o projeto do canil, e torcendo não trombar com mais ninguém.
Embaixo das pranchetas de anotações notou que havia um bilhete num pequeno pedaço de papel azul marinho com letras bonitas, nas quais dizia:
"ainda que tudo pareça difícil, sorrir sempre vai ser o melhor remédio e é capaz de matar qualquer dor insuportável dentro de nós mesmos"
Paralisou por segundos, segurando aquele pedacinho de papel entre seu peito e emocionada derramou algumas lágrimas ali mesmo.
Na verdade, a vida de Aurora tem sido muito mais escura ao passar de cada mês e as suas esperanças de melhorar da dor que carrega em seu peito, estão morrendo junto dela pouco a pouco.
Ela costumava descrever tudo aquilo como uma "onda imensa durante uma tempestade furiosa, agitando todo o oceano, sem abrir chances para alguém que se afoga, tentar subir a superfície".
Essa era a descrição clara e precisa de como ela sempre se sentiu.
Havia crescido rápido demais, com dez anos de idade ela já era madura o suficiente para armazenar dezenas de rancores e mágoas em seu peito minúsculo. Fugiu da casa da tia sete anos depois, quando não mais aguentava ser abusada pelo namorado da mesma e ela nunca se posicionar para ajudá-la.
Assim que soube que passara para faculdade de Direito, seu maior desejo na vida, teve suas forças triplicadas para correr e arranjar um aluguel qualquer.
Ela enxágua suas ultimas gotas que caiam sobre o rosto e guarda o bilhete dentro de seu bloco de anotações. Relembrando a cada segundo se havia esquecido de algo, partindo em seguida, em direção ao elevador central, aquele que dava entrada a todas as demais salas, observando por entre os ombros uma única pessoa dentro de uma luz pequena, portando um óculos de grau quadrado, cabelos negros e uma caneta deitada no apoio da orelha direita. Pessoa à qual jamais vista por Aurora desde que ingressara no prédio há dois anos atrás.
Tomou o elevador e partiu para a biblioteca da cidade, com a intenção de checar alguns livros a mais para a sua elaboração do relatório.
Cruzou a avenida correndo em competição com os carros em sinal verde iniciado, abriu a porta depressa e procurou a mesa mais larga e privada da biblioteca.
Ajeitou seus papéis e o notebook, e em então foi até às prateleiras verificar as doutrinas que tinham por lá.
Uma pilha com cerca de dez livros foram abraçados por ela e despejados com suavidade na mesa.
Sentou-se e abriu a tela do notebook, sem clicar em guia alguma, um som de alerta de mensagem soava de repente, trazendo uma mini janela com um convite de mensagem que dizia "Oi".
Sem foto.
Sem nome.
Sem identificação alguma.Mas Aurora suspeitava de alguém e então aceitou o convite enviando como resposta um outro "oi" com alguns pontos logo após.
A resposta foi imediata, trazendo uma pergunta sobre como ela estava naquele dia, Aurora apenas visualizara sorrindo sem jeito e preparando os trechos dos relatórios.
Outra mensagem, agora com um link de um vídeo de alguns cães fofinhos brincando quando filhotes.
Aurora parou por alguns instantes para assisti-lo e sua mente parecia ter clareado por segundos, uma antiga paz tomara de conta, por apenas um momento ela sorriu de verdade com o peito cheio de amor pelo vídeo.
A questão é que cães sempre trouxeram alegria para ela e receber um link inesperadamente de alguém "oculto" foi surpreendentemente bom.
— "Consigo enxergar teu sorriso lindo por esse simples emoticon." — disse em resposta ao emoticon feliz enviado por Aurora.
— De fato eu fiquei feliz...eu sou apaixonada por esses bichinhos. Obrigada pelo vídeo, eu gostei muito.
— "Bom saber... enviarei mais vídeos sobre eles, se prometer sempre sorrir de volta".
— Não sou boa com promessas, desculpe.
— "Mas poderia tentar, pelo menos?"
— Quem é você? - indagou Aurora, após silenciar no pedido enviado via mensagem.
— "Alguém que te conhece e que acha lindo o seu sorriso..."
Aurora resmungou consigo mesma, balançando-se na cadeira, imaginando a cara daquela pessoa naquele segundo, e torcendo para ser a pessoa que imaginava ser, apesar da insegurança em seu peito.
Sua atual reação era declarar o seu nome e questionar porque estava fazendo aquilo, mas preferiu seguir o anonimato e navegar nas ondas daquela conversa.
Conversas sobre o tempo, sobre as questões de como os pássaros voam e conseguem fazer as necessidades ao mesmo tempo, sem cair em qualquer lugar.
Conversas pequenas com assuntos pequenos levaram o tempo e despertou a atuação da bibliotecária em dizer que iria fechar em quinze minutos, encerrando pois, o navegar de Aurora em um assunto que não permitiu-lhe pensar em escuridão alguma de sua alma.
— "Até amanhã, Aurora". — escrevia ele, após receber a notícia por Aurora de que iria sair do chat e na esperança de conversarem no dia posterior.
— Me chame de Ori. — respondia fechando a tela em seguida.
"Ori" sempre foi o apelido para os mais íntimos, e embora apenas o conhecesse em algumas horas, podia ter sentido que já o conhecesse simplesmente pela forma de como lidava com ela e de como iniciava os assuntos, sempre tão suaves e gentis.
Outra razão por pedir que a chamasse assim, talvez seria para concluir que uma certa pessoa confessasse algum momento que era ela com quem conversou um dia inteiro em uma determinada manhã na biblioteca da cidade.
Aurora suspeitava de alguém, mas não tinha coragem o suficiente de indagar-lhe, afinal, o teu carinho por ele era diferente. Ela sempre sonhou em casar e ter uma família, ser enfim feliz. Mas quem ela pensava que fosse o remetente das mensagens, era apenas um "chefe" de direção, e o mais galanteador.
Sua aposta: Gustavo. Diante disso, passou a ser menos falante no escritório, simplesmente pelo fato de um lembrete já dito por Gustavo, não curtia mulher "tagarela".
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Através do seu amor
FantasyUma mulher vive atormentada por lembranças de um passado cruel, sofrendo com diversos impulsos de sentimentos ao mesmo tempo. Fugiu da casa da tia com 17 anos de idade e tempos seguintes ela teria se reencontrado com o próprio agressor, razão de a t...